O «eduquês» como bode expiatório (1)

Na crítica ao “eduquês”, o que mais deploro é a construção do bode expiatório, logo, a incapacidade de identificar o problema na sua complexidade real e de pensar consequentemente as soluções. Aconteceu mais uma vez com o texto de Fernando Venâncio, É proibido ensinar. Aprender é vergonha.
Há constatações que são óbvias, a quem quer que lide com a realidade escolar, mas que se esquecem magicamente nestes momentos. Por exemplo: a luta por um lugar nas universidades em certos cursos de referência (medicina e arquitectura são os mais óbvios) não tem qualquer paralelo com o que acontecia há trinta anos atrás, como não tem paralelo a quantidade de alunos que se apresentam ao ingresso no ensino superior com médias acima de dezoito valores. Tudo isto se deve a uma dose suplementar de “explicações”? Em parte, é possível. Mas em termos de médias, nestes casos, quanto valem as explicações? Os pais e os alunos sabem que esse valor é de algumas décimas, mas que elas são decisivas na luta pela entrada. Mas algumas décimas significa que o sistema não ensina e que os alunos não têm disciplina para estudar?
Na base da pirâmide, a questão que há para pensar é muito distinta. Os franceses, precisamente, mostraram uma coisa muito simples: medindo os resultados dos testes de literacia (um ditado e contas aritméticas de nível primário) que os rapazes de 18 anos faziam na inspecção militar, constatou-se inequivocamente que o nível geral subiu. Parece-me que este dado empírico, no caso português, até seria desnecessário: basta pensar o que era o analfabetismo há trinta anos, e o que é a escolaridade obrigatória hoje, mesmo que aí se inclua uma alta percentagem de maus resultados (o que de qualquer modo não é coisa que se deva dar de barato).
Tudo está bem? Obviamente, não. Mas é preciso ter consciência de que muitas vezes medimos os resultados do sistema com exigências que o sistema não comporta nem seria desejável que comportasse. O sistema tem de ser feito para que todos possam chegar o mais longe possível. Isso implica que o padrão de “normalidade” baixou relativamente ao padrão de uma escola apenas frequentada pelas elites? Sem dúvida, e ainda bem. Porque isso não impede as elites, mas tenta impedir, na medida do possível, um abandono precoce. É essa a missão da escola pública, e uma missão em que a escola pública, infelizmente, ainda falha muito. Não é uma questão de “eduquês”, é antes de mais uma questão de política de ensino. Geralmente à esquerda, e de uma esquerda de que o Fernando Venâncio se pode orgulhar, apesar de tudo. Que preservou a escola pública contra um consulado cavaquista que deixou proliferar em condições inimagináveis o ensino privado, e esqueceu ostensivamente o pré-escolar e em larga escala o básico. A partir daí, há muita coisa para corrigir e pensar, mas o bode expiatório do “eduquês” só serve para não enfrentar a complexidade dos problemas.

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