Guarda-nocturno do mar # 4

“Mas de antigamente, como lenda de uma eternidade inicial, não mais / temos que a claridade das vozes, a imaginária transparência / (preciso é não saber do caldo comum, / da larva do início a emergir na lama do caos, / da obstinação e da improvável direcção) // Eterno ou limpo foi apenas o dom de possuir / um tempo a que chamaríamos vindouro // Agora chegámos ao lugar vindouro / agora tocámos, de novo, na estupidez da terra”. [Maria Andresen, Livro das passagens, p. 13].
O mar, gosto de pensá-lo, é a coisa mais antiga de todas as coisas antigas. Mais que a pedra ou o espaço. Nunca o investiguei, mas presumo que seria fácil e provavelmente aprenderia que estou errado. Não importa. Não o penso como lenda ou cosmogonia. Frente ao mar, sei o que é antigo. Sei que o humano é demasiado novo, pertence só a este tempo que vem vindo. Estamos na estupidez da terra, talvez um dia comecemos a aprender. Mas mesmo isso, começar a aprender, será ainda parte do longo processo da estupidez. De alguma forma, o mar já esqueceu. O que vai e vem a nossos pés é apenas um jogo para os nossos olhos. Lá mais para trás, sabemos que há abismos, mas nada da sua profundidade nem do que neles repousa. Gosto de pensar que o próprio mar o não sabe. Gosto de pensá-lo tão antigo quanto isso. E ainda mais.

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