Os trabalhos e os dias (15)

Preparar uma proposta de curso leva muito tempo. Instruí-la segundo os parâmetros definidos em cima da hora pela tutela (MCTES), também. No primeiro crivo, que a tutela definiu como apreciação da “conformidade com os requisitos técnicos”, o parecer foi positivo: o curso poderia funcionar para o próximo ano lectivo, sendo financiado se conseguisse captar vinte alunos. A Escola, que pertence ao Instituto Politécnico de Viana do Castelo, definiu as suas vagas e investiu na publicitação do curso.

Hoje de manhã, telefonema da Direcção Geral do Ensino Superior. O Ministro não autorizava o funcionamento do curso porque, no seu entendimento, o curso não se enquadrava no espírito do ensino politécnico. A Escola tinha pouco mais de meia-hora para redefinir a afectação das vagas pelos restantes cursos que ministra.
Nem importa dizer aqui o nome do curso em causa, porque o problema não passa pelo caso específico. O problema passa pela lacuna legislativa. A diferenciação que se pretende entre Ensino Universitário e Ensino Politécnico é, em termos legais, tão difusa e tão nominalista, que em si mesma nada distingue, embora tenha consequências práticas imensas, começando no estatuto simbólico das instituições e continuando ao nível da diferenciação de financiamento, favorecendo de forma clara o ensino universitário (na prática, cursos iguais, como os de formação de professores, por exemplo, recebem um financiamento acrescido se ministrados por uma Universidade).
Para este peditório já dei que chegue. Pessoalmente, não vejo a distinção efectiva, nem a mais-valia dessa distinção (e muito menos agora, com as formações distribuídas por dois ciclos, o que retira aos politécnicos a meta estrita do bacharelato — coisa que, aliás, na maior parte das formações já tinha desaparecido pelas próprias exigências do mercado). Mas se o legislador entende que a distinção deve existir, então deveria torná-la clara para todos. E a clareza não passaria apenas por afirmação contrastante de princípios e de objectivos, deveria ser operacionalizada em termos das áreas afectas a cada sub-sistema. Assim, cada um saberia ao que ia e o que esperar.
Por último, devo dizer que embora nenhuma argumentação nos tenha sido exposta pela Direcção Geral do Ensino Superior, a não ser a de que o curso não se enquadrava no espírito politécnico, não vejo qualquer dificuldade em reconstituir, como juridicamente se diz, o “itinerário cognoscitivo” que terá levado o Ministro a uma tal conclusão. Mas, do mesmo modo, também não vejo qualquer dificuldade em argumentar consistentemente um “itinerário cognoscitivo” capaz de conduzir à conclusão contrária.
O que, sim, tenho dificuldade, é perceber que o itinerário cognoscitivo que levou o Ministro à não aprovação do curso não tenha funcionado igualmente para outras propostas de cursos e para a continuidade de muitos dos existentes. Mas por outro lado, e de novo, não tenho igualmente nenhuma dificuldade em entender essas decisões diferenciadas, porque há sempre variantes específicas a considerar caso a caso. E também, de novo, nenhuma dificuldade em entender que essa decisões diferenciadas pudessem ser, caso a caso, o contrário daquelas que foram tomadas.
Não estou, pois, a insinuar qualquer decisão ministerial ad hominem (neste caso, ad instituição). Estou apenas a afirmar, isso sim, que não há aqui quaisquer critérios ou princípios dos quais se possa deduzir em “linha recta” o que é universitário e o que é politécnico. Estou a afirmar que a distinção é política, e que a política deve ser comunicada atempadamente, para que as Escolas possam, por seu turno, administrar politicamente as suas escolhas e o seu trabalho.
Em resumo, durante vários meses contribuí(mos) largamente para a dita improdutividade nacional. E se a culpa disso não foi minha/nossa, porque me sentirei tão inútil?

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