Yunus

Nunca desconsidero a semana dos anúncios do Nobel. É um prémio para nós mais do que para os premiados. Acrescenta-lhes reconhecimento, a conta bancária, mas o trabalho está feito. Para nós, é muito mais importante: faz permanecer a crença de que a humanidade é capaz de saber e fazer mais e melhor. Todos os anos, sem esmorecer. Claro que um prémio é também um item da indústria do espectáculo, mas sobre isso já tudo foi dito. E não retira, para mim, essa pequena parte que posso conceder aos bons sentimentos — assim mesmo, bons sentimentos.
Nada posso ajuizar da maioria dos prémios, apenas ouvir. Não sei se haveria coisas mais importantes na medicina ou na física para premiar, por exemplo, apenas sou capaz de reconhecer — enfim, acho que sou — que essas coisas me parecem premiáveis.
Quanto ao Nobel de literatura, não li uma linha de Pamuk. Amigos cuja opinião prezo, dividem-se drasticamente: um grande escritor, apenas um profissional competente. Mas convergem nisto: um cidadão íntegro, que não hesita em chamar a sua Turquia ao recalcado da sua história. Um Nobel de literatura, às vezes, é dado mais ao cidadão do que à literatura.
Mas o Nobel que este ano me encheu de contentamento foi para Muhammad Yunus. O microcrédito como instrumento da paz. Nada mais certo. E seja dito, nada mais ao arrepio do espírito capitalista, apesar dos discursos de que o desenvolvimento traz a paz. Que até traz. Só que os bancos apenas financiam aqueles que já têm dinheiro: o desenvolvimento é concedido aos que já são desenvolvidos.
Num único pormenor eu teria talvez feito diferente: por mim, Yunus teria sido prémio Nobel da economia. Uma forma de dizer que o espírito da coisa económica é político, sempre político, e que políticas há várias, que há escolhas. O microcrédito é uma escolha política. Uma excelente escolha política.

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