Estilos de vida

Há que reconhecê-lo: o Conselheiro Espada é consistente. O seu conservadorismo tem uma obstinação lógica impecável e uma estratégia clara: trata-se sempre de ajustar tudo a princípios morais, mas nunca enunciar claramente esses princípios como princípios, mas apenas segundo esse conceito de “sociedade aberta” que é nele o mot de passe para tudo o que tem a defender.
Por exemplo, a crónica deste sábado no Expresso. O Conselheiro Espada viu uns números britânicos que lhe dizem que o Estado apoia mais as famílias monoparentais do que as outras. O Conselheiro Espada viu também uns números britânicos que lhe dizem que entre os filhos das famílias monoparentais há mais percentagem de delinquência, droga e outras coisas más para a sociedade.
O Conselheiro Espada não nos diz onde estão esses números, para que a gente possa ver se há aqui algumas nuances que devessem ser consideradas. O Conselheiro Espada extrai conclusões. Conclui que os estilos de vida não têm todos o mesmo contributo para o bem social. O Conselheiro Espada não nos explica porque é que acha que uma família monoparental é um estilo de vida (a viuvez é um estilo de vida? ser divorciado é um estilo de vida que se possa colocar na mesma linha de escolha entre permanecer solteiro ou casar-se?), limita-se a afirmar que o estilo de vida monoparental é mais nocivo para a sociedade. Logo, conclui o Conselheiro Espada, o Estado não devia dar mais dinheiro às famílias monoparentais do que às outras.
O Conselheiro Espada não o diz para evitar o escândalo, mas deixa-o subentendido: a função do Estado não é acudir aos problemas, mas premiar os bons estilos de vida. E bons estilos de vida são aqueles que o catolicismo vigilante mas nunca claramente afirmado do Conselheiro Espada diz que são bons estilos de vida. A isto, o Conselheiro Espada chama sociedade aberta. E o Popper, coitado, bem morto e enterrado, não é para aqui tido nem achado.
Um destes dias veremos este singelo discurso arredondar-se ainda mais nas palavras sempre profissionalmente políticas do Presidente Cavaco. Ele há os pobres e desempregados, e para esses o Presidente Cavaco sempre é mais social-democrata do que o seu liberal Conselheiro. Mas depois há os estilos de vida, e aí são ambos fraternalmente católicos, apostólicos e romanos. Quer dizer, totalmente abertos às regras bem restritas desse clube.

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