O charme discreto dos filmes-mosaico,

poderia dizer-se a propósito de Babel.
Mas o que se diz, parecendo dizer-se isso, é um pouco diferente: “as pessoas gostam de Babel porque é um filme puzzle — ou melhor, porque apresenta problemas globais, sociais e políticos complicados como um puzzle que tem uma solução” (Jim Ridley, crítico do jornal Village Voice, no dossier do último Ípsilon, sexta-feira, 23).
Babel é um puzzle que tem uma solução?!
“A mensagem de Babel é que um mundo que parece temível na sua aleatoriedade até faz sentido, se se conseguir ver o desígnio maior” (o mesmo Ridley no mesmo local).
Vê-se um desígnio maior em Babel?! Curioso, só dei por ligações impulsionadas pelo acaso e uma espécie de cubo das sensações da dor.
Donde virá então o evidente charme dos filmes-mosaico? Arriscaria dizer que da forma como revêem a velha ideia trágica do fatum. Não é mais possível às sociedades hiper-racionalizadas, tecnologizadas e disciplinadas de hoje deixar de ver a irracionalidade e a arbitrariedade que (continua a) move(r) os destinos individuais. Terror e piedade voltam a ser necessários como forma de identificação com o humano, até porque o quadro explicativo e securitário de ordem religiosa se esboroou. Mas, por outro lado, o destino tem costas menos largas, ou lê-se melhor a desordem política que o faz ser certo e determinado destino. Assim, o fatum de hoje não precisa de deuses ex-machina, mas de seguir o aleatório que faz com que os gestos de uns interfiram na vida de outros. Gestos que estão para aquém da moral, mas que geram situações em que se impõem decisões morais — e também nisto o fatum de hoje se distingue. Édipo não é culpado, isso sabemo-lo hoje. Mas a sua situação não é menos problemática por isso, e há decisões a tomar.

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