Thinking in a diner # 2 ou Os que não mudaram # 7

(Restaurante buffett. Comem uma salada)
- Uma espécie de melancolia outrora agora. Se tivesse de dizer, diria assim: uma espécie de melancolia outrora agora. Tu que achas, Leitora?
- É uma outra lista, essa. Parece-me que é uma outra lista...
- Será. Tens razão. Mas está tão dentro desta. Os livros que lamentamos sinceramente que não tenham mudado a nossa vida... (pausa sonhadora e melancólica)
- (com muito jeitinho meditativo) Um exemplo?..
- Um exemplo?.. A crítica da razão pura.
- (com muito jeitinho meditativo)Kant?! Tu lamentas que Kant não tenha mudado a tua vida?!.. Tu querias ser kantiano?!..
- Foi um longo estudo, sabes? Matéria curricular, o professor era bom, realmente kantiano, estavam reunidas todas as condições.
- Que aconteceu, então?
- Muita leitura extra-curricular de Nietzsche e Freud, foi o que aconteceu. (risos meditativos)
- Isso já condiz, estava a ficar preocupada. (risos meditativos)
- Mas tenho pena, sabes? É disparatado, porque a vida é como é, e de uma certa maneira tudo se recompõe...
- (interrompendo meditativamente) Mas só de uma certa maneira...
- Sim, só de uma certa maneira... Mas eu devia ter sido kantiano primeiro. Para depois Nietzsche e Freud me mudarem para outro sítio. Era uma mudança melhor. O que teria permanecido teria sido mais sólido. Se calhar... (pausa sonhadora e melancólica)
- Percebo, percebo... Mas nunca pensaste regressar a Kant agora? Regressar de uma outra maneira? Depois de também já te teres mudado do Nietzsche e do Freud?
- Regressar com inocência pós-crítica?
- Nem isso. Regressar como quem lê uma tragédia grega, por exemplo. Que aquilo é realmente a quinta-essência da tragédia grega, e acho que o Kafka o percebeu muito bem. Regressar assim.
- Não tenho tempo, Leitora. Não tenho tempo... (pausa sonhadora e melancólica).
- (com muito jeitinho meditativo) E se agora fôssemos buscar a sopa?..
- Sim, vamos.
(não se mexem meditativamente)

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