Cesário # 3 [preparar para arrumar]

Este post esteve meio-escrito tempo demasiado. Foi sendo ultrapassado pelos acontecimentos críticos. Já tinha desistido. Mas não consigo arrumar o livro sem arrumar isto.
Comprei-o mal saiu. Um impulso. A beleza do livro enquanto objecto, a vontade de voltar a Cesário, o lado biografista. Nem o título desastrado me afastou, pu-lo na conta de marketing banal para hipermercado em tempo natalício e saltei por cima.
Pedro Mexia e António Guerreiro já há muito que puseram o livro no seu devido menor lugar.
A minha questão é outra. É Filomena Mónica reivindicar para Cesário um lugar icónico semelhante ao de Pessoa. Note-se que não se trata de dizer que Cesário mereceria um lugar canónico idêntico ao de Pessoa: essa questão judicativa estará sempre em aberto, como por definição o cânone o está, ainda que se apresente a mais das vezes como fechado — ou não fosse cânone, precisamente. A questão é reivindicar uma fortuna de público para Cesário como aquela de que Pessoa goza — o que já não é uma questão de literatura, mas de sociologia. Sociologia do gosto, seja — mas sociologia. Ora, enquanto questão sociológica parece-me óbvio que Cesário já não fala o “espírito deste tempo”, nem falará nunca o espírito de qualquer tempo que venha. Isto nada retira ao seu génio, apenas diz que esse génio viverá apenas naquele território em que a cultura permite traduzir para o tempo que nos calhou viver aquilo que o submete a crítica, que o põe em contra-luz.
Cesário descreveu um tempo que se fechou rapidamente, salvo duas ou três anotações fulminantes de pendor “metafísico”. Pessoa fez falar a matriz de um tempo que lentamente, muito lentamente, se vai fechando. Como é que uma socióloga não percebe isto?

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