António Alçada Baptista

António Alçada Baptista tornou-se-me visível com Os nós e os laços. Suponho que para muitos da minha geração terá sido assim. O que nos interessava naquele romance era a serenidade com que se dava o possível de relações afectivas que conseguiam passar ao lado do vulgar ciúme ou do já mais complexo desejo de posse, e que faziam da sexualidade uma alínea mais do diálogo humano. Depois da revolução dos costumes, depois da revolução sexual, afinal estava tudo ainda por fazer.
A figura do escritor era gentil, melancólica, afectiva — e isso também conquistava. A sua utopia “feminina” era uma bela história ética com personagens não muito credíveis — aceitávamos o princípio do cuidado, dos afectos, de olhar o mundo do lado de lá do poder, mas não nos parecia que as mulheres tivessem isso inscrito na sua natureza ou na sua sociabilidade histórica. Lembro-me de num colóquio em que ambos éramos intervenientes lhe ter dito, em provocação, que a sua “teoria” desconhecia, por exemplo, as personagens femininas da Agustina Bessa-Luís. Sorriu: considero a Agustina Bessa-Luís um grande escritor. E repetiu: um grande escritor. Sorri eu também, porque nesse um estávamos de acordo (e no grande também, claro).
Metáfora involuntária e melancólica: por três vezes orientei teses de mestrado sobre a sua ficção e o seu “ensaio”, por três vezes a vida deu voltas inesperadas e as pessoas tiveram de desistir. O riso de Deus é por vezes sardónico até dizer basta.
A última coisa que soube de António Alçada Baptista (sim, a minha ignorância é grande) é que lhe devia a Moraes — e foi bom sabê-lo. Só isso já seria suficiente para lhe dizer obrigado.

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