Um conservador à esquerda? # 1

Por mero acaso, vi Gran Torino ao mesmo tempo que Che-1 e Che-2. No meu mundo há espaço para esses grandes planos do indivíduo e para essa construção de uma comunidade desde a base. E não deixa de ser curioso que as armas, de alguma maneira, possam ter mais importância em Gran Torino do que nos dois Che. Mas adiante, que o que me importa agora é apenas um pormenor de Gran Torino.
Kowalski fez a guerra da Coreia. Pecados? Não aquilo que fez obedecendo a ordens, mas o que fez sem ter sido obrigado a fazê-lo: coisas como beijar outra mulher quando já era casado ou um lucro não declarado ao fisco. Certo que a rectidão moral não é apanágio partidário, mas em Eastwood é sempre a fibra última do seu peculiar conservadorismo. O que me interessa é esse “peculiar”. Porque é um peculiar que não reside tanto na rectidão moral quanto numa complexidade que o conservadorismo tende a escamotear. O que Kowalski fez na guerra, fê-lo como soldado. Nenhum remorso aí, nada a confessar. E contudo, é precisamente isso que não constitui pecado que é a matéria dos seus pesadelos e daquilo que quer poupar à nova geração. Por mais justa que essa ou outra guerra possa ter sido, ela constitui só por si um preço demasiado alto para a possibilidade de sermos humanos. Kowalski não tem o triunfalismo nem da vitória nem da guerra justa — fez o que tinha o fazer, e é suficientemente humano e livre para reconhecer o horror quando o encontra. Horror: o termo que precisamente o conservadorismo é incapaz de pronunciar quando fala destas coisas.

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