Multiplex 4

Neil Jordan, Breakfast on Pluto

— Um actor vale um filme?
— Isso é retórica, Leitora, já sabe que sim.
— Cillian Murphy vale dois filmes, então. E não é de somenos que um filme possa ter aquilo que só um filme pode ter: um actor cuja composição de imagem diga tanto como a história diz.
— Ou cuja composição de imagem seja o comentário e o contraponto certo daquilo que a história diz.
— A política como guerra civil comentada por uma identidade que ultrapassa a guerra civil dentro de si mesma. O realismo da guerra é cru, mas não tem realidade para a frente dele; o onirismo daquela mulher (e olhe que daqui não lhe estou a pôr aspas travestidas), o onirismo dela é a única coisa que pode abrir para uma realidade diferente.
— Vejo que gostou, Leitora.
— Tanto mais que aquela mulher, ela e ninguém mais no filme, é a verdadeira contradição ambulante com que hoje podemos resumir os seventis.
— Dou-lhe razão. Foi a década de todos os perigos terroristas interiores à democracia e a década da maior leveza política da própria democracia. A personagem não faz qualquer discurso de género, limita-se a ser a deslocação de género e a inventar uma vida para além dos constrangimentos.
— E isso é possível, como se vê no fim: a igreja e a maternidade constituem uma bifurcação, como se ideologia e vida não fossem compatíveis, mas as personagens circulam entre elas, compondo as suas histórias e existindo. Apeteceu-me dançar, sabe?
— Compreendo-a perfeitamente, Leitora...

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