Ambiguidade (espero que) sem intencionalidade

Meu caro João Paulo Sousa, concedo tudo quanto a uma redacção da proposta de lei que resulta ambígua. De facto, no Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico, o artigo 35º relativo à exclusividade (que decalca o universitário) diz expressamente, no seu número 7, o seguinte:

7- Não envolve quebra do compromisso assumido nos termos da declaração referida no nº 3 [declaração de exclusividade] a percepção das remunerações decorrentes de:
a) Pagamento de direitos de autor;
b) Realização de conferências, palestras, cursos breves e actividades análogas;

Mas esta é uma explicitação que pode vir a estar perfeitamente na lei. A ambiguidade não me parece de todo intencional. O que nos corredores se diz, e se diz há muito, é que as restrições às chamadas “acumulações” não visam sequer as explicações, que é um mundo que largamente se desenrola à margem das tributações IRS, mas sim o desempenho de funções docentes em qualquer outro sub-sistema de ensino, público ou privado. E porquê? Porquê há excedente de mão-de-obra qualificada, não é necessário “sobrecarregar” os que já estão no sistema. Por princípio de coesão social, até estou de acordo.
Quanto ao escritor e ao pintor, diria que não vale a pena complicar. Para IRS, ou seja, para receber os direitos de autor, tem de estar inscrito como profissional. Ponto. Se vive só disso, se recebe mais disso do que da sua actividade principal, ou se recebe uma miséria, só tem importância para o facto de ser obrigado ou não a contabilidade organizada, etc, etc. O engraçado aqui, filosoficamente falando, é que para o legislador a concepção que existe de trabalho intelectual e artístico é toda ela devedora das teorias da “inspiração”. É por isso que a crítica e a tradução não entram nos direitos de autor: para o legislador, não há lá “inspiração” nenhuma, apenas trabalho profissional puro e duro, já não é o fazer a partir do nada, mas o trabalhar sobre. Contestável? Sem dúvida. Mas eu não levantaria muitas ondas. Quando o legislador começa a filosofar, dá quase sempre asneira. E a asneira, a acontecer, será inevitavelmente a de considerar que aquele um por cento de inspiração que até nós estamos dispostos a conceder como o irredutível artístico, é afinal trabalho profissional. Que o ministério não nos ouça e se mantenha longe das leituras “perniciosas” da teoria da literatura ou dos estudos culturais...

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