Canuta brina, per mano ascosa

Rodin
- Sou um anjo pré Win Wenders. Acho que isto deve ficar claro entre nós.
- Não sei se percebo.
- Percebes, Luís, percebes. Mas eu explico, em todo o caso. Sou um anjo que conversa contigo, e apenas contigo, não sou um anjo que apenas recolha o que os humanos não ouvem um dos outros. Sou um anjo que interfere na tua vida, porque tu me procuras e me encontras. Sou um anjo que habita os teus sonhos e inexiste na vida diurna.
- E os outros, os que andam por entre os humanos acordados, são outra espécie?
- São a espécie do estado adulto. Eu sou da espécie do estado infantil, do desamparo que dizes que nada pode consolar.
- E podes consolar?
- Perguntas se há consolo? Há, há consolo. Uma mão secreta, não é o que diz o poema? Não a minha, que não tenho corpo. Não a tua, que não te é secreta.
- Uma mão secreta que me trará a velhice? Mas há algum segredo nisso? E é isso consolo?
- Sou o teu anjo, não um filósofo. O teu anjo da guarda. Guardo-te das perguntas. Não para que não as faças, mas que para que também possas descansar delas. Agora dorme. Sem sonhos.
- Espera, espera um pouco. É mão de mulher? É o amor que me fará envelhecer ou consentir? É ao contrário?
- Tonto. Acaso uma mão de humano é apenas humana? E mesmo que metas lá o divino, acaso alguma coisa se explica mais por isso? Não vês que simplesmente cresce o mistério? Mas eu disse-te que não era filósofo. Não consegues dormir? Põe aí a Bartoli, então. Quero ouvir outra vez, como os humanos fazem. O que pode um corpo, meu deus, o que pode um corpo...

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