Dispersos # 3

Creio que ao ir atravessando a vida e o mundo na mais recolhida fuga — sim, agora é verdade. Na mais recolhida fuga. O que desejei, cumpriu-se o mínimo, impossível a maior parte, irrelevante afinal o resto. Que deus chega sempre atrasado a todo o lado, é coisa que se vai aprendendo sem espanto. Pior que nós cheguemos também quase sempre atrasados ao amor. É isso conviver com o seu próprio inferno. Ici, les nuits — toutes les nuits — ont été faites pour attendre.

Quem chegará depois de mim?
Quem nunca esteve aqui?
Desligo os telefones, não consigo esquecer o teu nome. Eu sei que a paixão se constrói à mesma velocidade fulminante com que se arruina. Mas a cinza que fica, o que o vento dispersa, regressa no ar da noite ou numa corrente de ar imprevista. Sabe na boca a um deserto privado. Arde nos olhos depois de todas as lágrimas.

Insónia. Noite quente de um verão persistente. Saturada de medos. Noite sem fim. Nada. E o sol pela manhã, ferindo.
Às vezes, tenho a impressão de ter perdido a exactidão dos gestos e das palavras. Estive tempo a mais sozinho.

Mesmo que chames, ninguém virá. Tudo está aí, todos estão aí. O teu mundo é o mesmo, não há outro. Mas mesmo que chames, ninguém virá. Já o sabes há tanto tempo que já estás habituado. Inventas as formas do que te rodeia. Atribuis nomes. Matas o corpo amado no caos dos outros corpos. E mesmo assim tens todo o tempo para a tristeza e para a dor. Todo o tempo para essa falta de imaginação tão humana e absurda que é ir morrendo.

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