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Alguns aspectos do seu comportamento parecem-lhe agora estranhos. Então acontece uma coisa que devia assustá-la, mas ela não se assusta.
Acontece assim: ao fim do dia, liga o noticiário e é imediatamente confrontada, olhos nos olhos, com uma intensidade quase insuportável, pelo jornalista que lê as notícias. Ele é a primeira pessoa que falou com ela no dia inteiro. Abalada por estes poucos minutos de conversa directa, vai à cozinha preparar uma omeleta. Mistura os ovos e deita-os na frigideira, onde a manteiga começou a derreter. Enquanto ganha forma, a omeleta borbulha e murmura, fazendo uma espécie de som violento, e ela de súbito pensa que a omeleta lhe vai falar. De um amarelo vivo, reluzente, com manchas de gordura, a omeleta palpita delicadamente na frigideira.
Ou antes, ela não espera que a omeleta fale, mas quando não articula nada ela fica surpreendida. Quando mais tarde pensa no que aconteceu, compreende que ela sofreu na verdade qualquer coisa equivalente a um ataque físico. A mudez da omeleta emanou da própria omeleta num grande balão que pressionou os seus tímpanos.
Lydia Davis, "Cinco sinais de perturbação" in Demolição, p. 199-200

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