O processo de luto é um corte. Algo nos foi arrancado, partiu, desapareceu — esse é o facto. O luto é deixar partir, deixar desaparecer, deixar arrancar. É cortarmo-nos daquilo que já nos foi cortado — e continuar a haver vida. É por isso que o processo de luto pode ser hoje, involuntariamente, uma crítica radical do capitalismo planetário. Quando tudo se baseia em mais qualquer coisa, acrescento novo, acumulação sofisticada de capital — eis que alguém trabalha dolorosamente para perder, como única forma de ganhar a restante vida.
Um banco de jardim, um desses bancos onde se sentam os sem abrigo, os párias, os namorados perdulários, os contemplativos — é lá que se senta esse homem que tem de aprender a perder. Não admira que esse banco de jardim, esse homem agora no banco de jardim, se torne involuntariamente o atractor de uma complexa teia que envolve uma fusão de grandes empresas. O sistema corre para a perdição dos que o habitam, essa é a regra profunda do seu funcionamento — quem triunfa, triunfa sobre inúmeros derrotados. Eis que aprender a perder se apresenta como uma chave possível para o êxito — mas o que será um êxito assim?
O filme não responde nem teria que responder — até porque o não sabemos ainda. Sabemos dos excluídos, dos que se auto-marginalizam, dos que triunfam segundo as regras aparentes de sempre — do resto, não sabemos ainda. Mas nesse interregno do luto alguma coisa de diferente se traça. Que depois parece perder-se, é certo. A essa diferença o filme chama caos calmo. Depois do interregno, o caos da angústia, também conhecido pela designação simples de normalidade.
Voltando atrás # 1
Luís Mourão
7.1.09 |
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