Trio

1
O mistério da noite eleitoral foi a comoção de Paulo Portas. Sempre lhe apanhei aquele sorriso incontrolável de pose cínica, de um teatro maior que a sua pessoa. Agora o homem comoveu-se em directo e não sei como interpretar: kitsch narcísico (sou tão bom, não sou? salvei o partido da inexistência, tenho de ser mesmo bom), respirar fundo (a sua sobrevivência política sempre está assegurada mais uns meses), ou densidade da personagem?

2
O sinal da noite foi o facies de Sócrates. Não o que disse, que foi o expectável em todos os aspectos, mas o seu facies, de que desapareceu a arrogância e onde não entrou a derrota. De Manuela Ferreira Leite sabe-se tudo, não será mais do que isto nem menos do que isto. De Sócrates apenas se conhece o governante escudado na maioria absoluta. O animal feroz passa por ser um mito urbano, ou traço defeituoso na versão daqueles que já só o entendem na caricatura de querido líder. Mas foi precisamente esse animal feroz quem compareceu no Altis. Agustina faria dele uma nova versão de "os meninos de oiro", naquele sentido em que o excitante romanesco de uma personagem determinada e até temerária se sobrepõe à tecnicidade das ponderações desapaixonadas do bem público. O excitante romanesco é mais profundamente político porque aparenta não se conformar ao real. Os que acham que Sócrates só funciona na irrealidade do querido líder estão a subestimar o seu instinto político. Desse ponto de vista, os próximos meses prometem ser dos mais interessantes da vida política nacional desde há muito. Mas não se preocupem, já há cronistas do reino qb, e esta nota leva apenas o tempo de chegar o camião do lixo e eu recomeçar os afazeres.

3
Miguel Portas, Marisa Matias e Rui Tavares — nem todos os trios de que gosto são de jazz.

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