Fora de tempo # 53


Em 7 de Junho de 1930, em Lisboa, Franz Piechowski mata o ministro alemão em Portugal, o Barão de Baligand. Rapidamente se percebe que o homicida não está em seu perfeito juízo. O psiquiatra Sobral Cid, em 14 sessões, procede ao seu pormenorizado exame clínico, de que resulta um longo relatório: “O caso Franz Piechowski, perseguido, perseguidor e magnicida”. Sobral Cid é o grande herdeiro de Miguel Bombarda e Júlio de Matos, e o caso aparece-lhe como uma oportunidade ímpar de criar jurisprudência na psiquiatria portuguesa e na medicina forense.
Luís Quintais faz a análise detalhada do relatório de Sobral Cid, mostrando como se constrói a evidência da loucura e o paradoxo inevitável que sustenta toda a evidência deste tipo: se os indícios são relativamente objectivos, e consolidados na sua posição de indícios por casos similares, a interpretação deles num diagnóstico de loucura depende da autoridade e subjectividade do médico, isto é, da sua capacidade particular de não se deixar enganar por uma loucura fingida.
O relatório de Cid conta uma história, a de Franz Piechowski, reconstruindo-a enquanto história de um magnicida inconsciente. A análise de Quintais conta a história dessa história, reconstruindo-a enquanto esforço de evidência dos mecanismos de um magnicida. A sedução deste livro reside na escolha deste mecanismo narrativo em segunda instância. Uma festa da inteligência, sim, e da inteligência desdobrada sobre si mesma, mas uma festa da inteligência que magnificamente se subordina à resistência do real, ao naco de vida, quer dizer, à insensatez do sentido.

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