O Senhor Eliot quer explicar alguns versos. Ou avaliar da sua racionalidade, corrigindo-os ou acrescentando-os para que fiquem conformes à semântica. Ou ensaiar aquele contexto mais alargado em que os versos fariam não só sentido, como dariam sentido a esse sentido. O sentido é sempre duas vezes, poderia dizer o Senhor Eliot, a primeira como coisa inteligível, a segunda como coisa que dá que pensar. Dar que pensar é mais sentido do que ser apenas inteligível. As conferências do Senhor Eliot dão que pensar, de formas tão diferentes como diferentes são os versos de que parte e os caminhos que suscitam. A vida no bairro recomenda-se. E já que se recomenda, voltaremos ao assunto em breve.
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Luís Mourão
27.2.11 |
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A noite estava serena, a luz macia e suave, a terra parada, e eu, cá muito em baixo, era a única criatura em movimento. [Lydia Davis, Demolição, p. 90]
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Luís Mourão
26.2.11 |
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O micro-conto chama-se “O homem que criou Deus num laboratório”. Uma alegoria de página e meia. Mas não é isso que agora importa, a alegoria, ainda que também importe. O que importa começa aqui: “Finalmente, a recompensa por anos e anos de trabalho árduo: dentro de um tubo de ensaio achava-se Deus. Assim, sem tirar nem pôr. Uma criaturinha triste, apática e indiferente como uma bolota. Nunca a ciência conhecera homem mais feliz.” Se retirarmos a frase “Uma criaturinha triste, apática e indiferente como uma bolota.”, o micro-conto não sofre nada com isso. O excedentário é sempre indício do sentido que transborda. Sintoma. Doutor Avalanche vai para a oficina a partir desta frase.
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Luís Mourão
22.2.11 |
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Pelo seu grau de abstração (menos riso, menos absurdo, o valor facial de cada reflexão é quase sempre para levar a sério), porque não fazem sistema e porque tocam em muitos assuntos que só remotamente são geométricos, as investigações do Senhor Swedenborg estão aí disponíveis para serem lidas como indícios de auto-reflexividade autoral. Em alguns casos, a evidência parece por demais evidente. Verdade ou coincidência, pouco importa. As ligações da leitura é que comandam. Oficina com ele.
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Luís Mourão
21.2.11 |
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Alguns aspectos do seu comportamento parecem-lhe agora estranhos. Então acontece uma coisa que devia assustá-la, mas ela não se assusta.
Acontece assim: ao fim do dia, liga o noticiário e é imediatamente confrontada, olhos nos olhos, com uma intensidade quase insuportável, pelo jornalista que lê as notícias. Ele é a primeira pessoa que falou com ela no dia inteiro. Abalada por estes poucos minutos de conversa directa, vai à cozinha preparar uma omeleta. Mistura os ovos e deita-os na frigideira, onde a manteiga começou a derreter. Enquanto ganha forma, a omeleta borbulha e murmura, fazendo uma espécie de som violento, e ela de súbito pensa que a omeleta lhe vai falar. De um amarelo vivo, reluzente, com manchas de gordura, a omeleta palpita delicadamente na frigideira.
Ou antes, ela não espera que a omeleta fale, mas quando não articula nada ela fica surpreendida. Quando mais tarde pensa no que aconteceu, compreende que ela sofreu na verdade qualquer coisa equivalente a um ataque físico. A mudez da omeleta emanou da própria omeleta num grande balão que pressionou os seus tímpanos.
Lydia Davis, "Cinco sinais de perturbação" in Demolição, p. 199-200
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Luís Mourão
19.2.11 |
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Bom, se não avisassem ninguém dava por nada, mas a verdade é que a menina tem dezasseis aninhos, de repente parece que repetimos aquelas histórias das ginastas de leste ainda impúberes. A boa notícia é que o ciclo de crescimento e consolidação de uma voz chega para uma vida de adulto. A pergunta é: até onde irá este dom natural? Sendo que por enquanto vai muito bem e se ajusta perfeitamente a este reportório de orquestra e swing de outros tempos. Musicalidade natural. A pergunta também é: até onde irá esta inteligência de si? Entretanto, desfrutemos. E rezemos aos deuses para que não se perca pelo caminho.
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Luís Mourão
17.2.11 |
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Nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2 do artigo 17 do Código de Conduta dos Semelhantes por Profissão, declaro:
1. Já dei para esse peditório (e os tempos não vão de feição).
2. Não há novos argumentos nem novas condições, apenas pessoas que mudam de opinião (e têm todo o direito a isso).
3. Ajudava imenso marcar uma hora de início, uma hora de término, coffee break para negociações finais longe da ribalta (o inferno são os outros, já se sabe), e hora impreterível para a votação final (assim sempre podem ficar mais à vontade pela casa de banho e evitar aquele embaraço de abandonarem o plenário naquelas alturas).
Atentamente
LM, vosso semelhante
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Luís Mourão
16.2.11 |
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Uma voz para várias estações, que é como quem diz, para vários géneros. Alguma ousadia, como logo no tema de abertura, mas globalização oblige a refrear experimentalismo. A vida não está fácil, mas é uma pena.
61
Luís Mourão
14.2.11 |
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Iphone e ratos, um pedaço de vida entre a cidade e a casa na periferia em época de crise do imobiliário. Um micro-conto para quem seja capaz, sem tempo para moralidades nem espaço para tréguas: fiz a chamada, a encomenda do grão já vem a caminho.
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Luís Mourão
11.2.11 |
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Em 1969 eu não sabia sequer o que era um disco. Quando soube, adolescência alta, a minha música nunca passou por Amália, nem lá perto. Não estava à espera disto. O que há aqui de fado “corrido” (é assim que se diz?) não me interessa. Mas o resto, as canções — o resto é terrível, essa voz vem do início do mundo e vai para os fim dos tempos, é terrível. Mais que a perfeição, é terrível.
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Luís Mourão
7.2.11 |
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Claro que sou um otimista. Só com otimismo se aguenta a dose diária de cianeto e felicidade. Espera, otimismo? Não será antes estoicismo? Hum... Ah, já sei: epicurismo. Só um espírito epicurista dá o verdadeiro valor à dose diária de cianeto e felicidade.
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Luís Mourão
6.2.11 |
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Na oficina: memória e interpretação. Primo Levi em fundo, Isabela Figueiredo em jogo. Quando na memória do facto temos de incluir a interpretação para sabermos, afinal, que facto foi aquele. A veracidade não é o contrário da verdade, mas raramente coincide com ela.
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Luís Mourão
4.2.11 |
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Pois, a sabedoria popular: quando deus fecha uma porta, abre sempre uma janela.
Cavaco por mais cinco anos, esquerda desagregada por mais anos que esses, o psd que se perfila não esconde ao que vem, e a crise, a !#%Merkel-Sarkozy%#! da crise, a !#%derivados&companhiaLda%#! da crise — para porta fechada não é preciso mais.
E a janela aberta, há uma janela aberta? Há. Não estava lá ninguém, o que até podia ser uma coisa de esquerda: deixar os mortos enterrar os seus mortos. Continua a não haver lá ninguém, mas alguma coisa se ouve. Para onde dá a janela, de onde vem o que se ouve? Não sei. Mas ouve-se. Que parva que sou.
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Luís Mourão
1.2.11 |
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Para irem anotando na agenda. E sim, eu prometo portar-me bem. Já quanto a avalanches não posso dizer nada, mais a mais quando mete doutores e tal.
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