Juros de demora # 1

Brincamos, somente, com os castelos
da morte. Talvez me bastasse
ter-lhe respondido que nunca escrevi
sobre nada; limito-me a anunciar
que vou morrer, com razoável certeza.

Manuel de Freitas, Juros de demora, Assírio & Alvim, p. 10

Pode uma poesia limitar-se a anunciar reiteradamente a razoável certeza de que se vai morrer? Pode. Qualquer anúncio exige estratégia, estrutura, cálculo e risco. Há muitos ingredientes para cada uma destas coisas. Suficientes para muita poesia.
Estratégia? Um não-herói sozinho. Estrutura? Verso de rédea curta, como uma cerveja ou um copo de vinho na mesa estreita de uma taverna escura. Cálculo? Sombras, traços disfóricos, o que aí está à vista de todos, mas segundo o ângulo mais raso. Risco? As referências naturalmente intelectuais, que põem tudo a funcionar entre uma leitura de segundo grau e uma experiência que, antes de ser da vida, o é da literatura tout court.
Mas, naturalmente — muito naturalmente, aliás —, isto não pretende ser uma síntese da poética de Manuel de Freitas. Até porque não há sínteses da poética de ninguém. Ou se as há, eu não acredito nelas — o que é uma frase que mereceria um longo desenvolvimento. Mas não vou tirar tempo ao poema com estas tretas teóricas e idiossincráticas.

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