Fora de tempo # 39


Como sempre na melhor poesia “especulativa” ou “pensante”, a questão não é a da verdade, da justeza de uma afirmação que possamos brandir em direcção a um silogismo, mas a da potência de uma linha de sentido. Uma linha não é o desenho todo, uma linha é apenas uma linha. Como uma rua não é a cidade toda, é apenas uma rua. Moramos numa rua, a nossa vida passa também por outras.
“So Goodnight” é uma rua que frequento bastante: “Não posso dizer que tenha aprendido grande coisa / nos últimos, digamos, duzentos anos. / Há muitas perguntas que vão perdendo altura / à medida que as pessoas tombam e também / as garras já não prendem como soíam. / (...) e por esta altura da minha queda já concedo / que seja o silêncio a condição natural / para uma ave sem nome que Setembro chamou / e que há duzentos anos não aprende nada.” (José Miguel Silva, p. 32). 
Não moro nesta rua. Mas “So Goodnight” é o marcador que uso no deleuziano “O que é a filosofia?”, por exemplo. A ave não tem nome, o seu dono é apenas memória ida, mas o seu vôo nocturno continua a inventar Setembro.

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