Fora de tempo # 47


Ottinger detém-se aqui. O quadro de relações é demasiado complexo, e de alguma maneira demasiado doméstico e privado, para caber numas “hipóteses elementares”. De Lacan a Duchamp, com segredo, velatura e sexo, sendo que o segredo e a velatura não são, de forma nenhuma, apenas causa ou consequência do sexo. Tudo por junto, é demasiado matricial para não transbordar o elementar.
Porém, uma coisa me interessa, que propriamente talvez até não pertença a esse quadro de relações, embora lhe subjaza como enquadramento ou situação incontornável. Chamemos-lhe o obtuso sociológico (sendo que o óbvio é a remissão para L’Origine du monde): pulsionalmente, a figura de Le gaz d’éclairage é uma figura morta, ou pelo menos fria, e a natureza que a rodeia está mais próxima de uma natureza-lixo ou natureza-baldio, do que da voluptuosidade carnal de Courbet (mesmo quando é apenas a natureza que pinta). De Courbet a Duchamp, aproximamo-nos da morte: mas Imre Kertézs já tinha avisado o quanto o século XX nos mostrou o rosto verdadeiro da nossa existência. 
Resta a ironia involuntária, afinal também ela apropriada a esse mostrar: Le gaz d’éclairage apareceu ao grande público primeiro que L’origine du monde.

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