Fora de tempo # 41


“escrevo esta carta no início do verão, uma mão litoral no cabelo enquanto hesito. o automóvel está estacionado à porta de casa, o resto a caminho do sul. no final hão-de restar apenas as estrias de sal sobre o dorso, a interpretação desses mapas.” (Tiago Araújo, Livre arbítrio, p. 42)

A poesia (a arte no seu todo) é também (entre muitas outras coisas, algumas das quais ainda mal detectadas) esta possibilidade de um texto que absolutamente nada sabe de nós nos descrever num gesto preciso, fixado num tempo que ainda se não perdeu de todo. A poesia é esta forma de libertação: o texto que nada sabe de nós incorpora o que de nós sabemos como excesso e peso, mas como se fora de um outro, libertando-nos. Transfert involuntário, imensamente disponível; análise terminada, porque deslocada.
Se poesia, entre muitas outras coisas, é isto, crítica, entre outras coisas (mas em menor número), é falar deste transfert acidental como se não houvesse transfert, apenas leitura, e todo o acidental fosse a superfície de uma necessidade escondida que a pouco e pouco se vai iluminando.

0 comentários: