53

Comprar pela capa (o nome de autor funcionou como aquelas classificações dos "derivados", triple AAA). 
Explicar pela capa: ritmos certos de animais diferentes mas da mesma condição, estrada ampla quase mainstream bem ancorada em paisagem de rotas secundárias, a melodia pequena luz dos dias.

52

Jon Stewart, acerca de mais uma daquelas cenas americanas de disparar ao acaso sobre a multidão: “Seria interessante que o discurso delirante de um psicopata não se parecesse tanto com coisas ditas em debates televisivos.” Pois.
Mas por outro lado — sim, por outro lado —, talvez isso não prove exatamente que o discurso político se tenha degradado, mas o inverso: o discurso psicopata tem-se apresentado cada vez mais lógico e inteligente. Na verdade, ele radicaliza essa lógica e essa inteligência. A linha de fronteira não é claramente visível, o inimigo é interno. Daí o medo.

51

Brilhante, como o anterior Israel Sketchbook, já em 2ª edição (este país existe, a criatividade neste país existe, o reconhecimento dela também vai existindo, etc e tal). Continuo a achar genial o rasto do desenho primitivo sob o posterior colorido, a sua presença fugidia, a sua manifestação de lugar. 
No blog do autor é possível ver algumas das páginas.

50

A queixa é recorrente: muita burocracia, muitos órgãos, muitas reuniões, não sobra nada para investigação. É quase verdade. Que fazem os queixosos quando são chamados a decidir? Eliminam um órgão, propõem métodos de trabalho mais informais, tentam ir directos ao assunto? Não. Acrescentam um órgão, se possível dois, formalizam ainda mais o processo de discussão e decisão, e querem estudos & pareceres externos & consultas internas antes de começar discussões intermináveis sobre se devem decidir ou não. Entretanto, queixam-se ainda mais. Estão satisfeitos: têm o perfeito álibi para continuarem a não fazer aquilo que em boa verdade não querem fazer (e a maior parte das vezes nem sabem realmente fazer).

49

Noventa por cento das citações de Agustina atiradas pelos congressistas fizeram sorrir a assembleia. Isto define um autor: a ironia. Culta, paradoxal, mas ironia. É também o que mais me prende a Agustina. E uma das coisas que me liga ao mundo.

48

"A tristeza nasce do facto de sermos interrompidos, sabem muito bem que é assim. Os comentários à obra dum grande artista não passam de vaidosas maneiras de o interromper." [Agustina, Dicionário imperfeito].
Nem sempre, nem sempre.

47

Audaces et défigurations. Colloque Agustina Bessa-Luís
Université Sorbonne Nouvelle Paris 3
20, 21 et 22 janvier 2011

46

Na oficina. Mala feita, ideias correndo, mil e uma coisas,  ainda mais três e um par de botas. Ou doutra maneira: "as pessoas são como o Buster Keaton: sérias e metidas em disparates com o ar mais natural do mundo" [Agustina, Dicionário imperfeito].

45

"O público não estima as informações demasiado francas; não vê nisso utilidade, porque fica a braços com a sua própria insignificância para corrigir as coisas; e não acha prazer em ser confrontado com a verdade, porque ela lhe não permite o suspense que, afinal, promove  a veneração devida a cada caso real" [Agustina Bessa-Luís, Dicionário imperfeito, p. 97]. Aplique-se isto às caixas de comentários do "caso" Carlos Castro / Renato Seabra, como aliás de qualquer "caso": a proporção dos comentários, e da sua demência, atinge o auge logo no início, quando nada se sabe e tudo se projecta. Vai diminuindo, e consentindo alguns lances de razoabilidade, à medida que alguma confessionalidade emerge e se ensaiam explicações "científicas". Quando vier a confissão e a verdade, com ou sem a ambiguidade irredutível que as pode acompanhar, ninguém comentará e ninguém assumirá que algum dia comentou. Mas ninguém estará orfão. Há sempre novos casos disponíveis, pelas mesmíssimas razões que todos os dias os jornais nos dão notícias de primeira página.

44

Tiras de 1926 a 1928.
1926?!
Sim, 1926 a 1928. Como quem diz 2011.
Trabalho impecável de restauro e publicação de Manuel Caldas.
Salvé, Cliff Sterrett.

43

Minimal, despojamento, musa parca – como quiserem. Dezassete brevíssimos poemas, entre o espírito do haiku e a notação ostensivamente banal em busca de amplificação significante. Que acontece porque é mais um livro de Adília Lopes, depois de muito silêncio. Por si mesmo, pouco saberíamos que fazer com ele — wait and see era o mais apropriado. Apanhar ar existe como suplemento a uma obra — e todo o suplemento é convite à re-leitura do todo.

42

Na oficina. Dicionário imperfeito. O chapéu das fita a voar. Agustina Bessa-Luís.
Os livros impróprios: o autobiográfico e a série como processo de re-leitura.
Não há post que aguente isto. Mas era bom que eu já o tivesse escrito.

41

ESTRAGON: Enquanto esperamos podemos tentar conversar calmamente, já que somos incapazes de ficar calados.
VLADIMIR: Tens razão, somos inesgotáveis.
ESTRAGON: É para não pensarmos.

Driving Miss Laura # 33

Já nas livrarias. A proposta de formulário pode ser descarregada aqui.



40

idem idem aspas aspas
*
Joanna Newsom, Have one on me
Bonnie Prince Billy & The Cairo Gang, The wonder show of the world 
Isobel Campbell & Mark Lanegan, Hawk
Robert Wyatt, For the ghosts within
Eels, Tomorrow morning
Eels, End times
Beach House, Teen Dream
*
Carlos do Carmo & Bernardo Sassetti, Carlos do Carmo Bernardo Sassetti
António Zambujo, Guia
Márcia,
Lokua Kanza, Nkolo
Lula Pena, Trouvadour

39

Ouvidos em 2010 (alguns serão de 2009 ou até antes, mas não sou júri nem nada, certo?).

Martina Jankova, Haydn songs: recollection
Amy Dickson, Glass & Tavener & Nyman
Patrícia Petibon, Rosso: italian baroque árias
Carl Philipp Emanuel Bach, Concerti a flauto traverso obligato II, Alexis Kossenko
Bach, Goldberg, Catrin Finch
Blasco de Nebra, Piano sonatas, Javier Perianes
Bach, Sonatas 1027-1029, chorals & trios, Bruno Cocset

38

Jazz em 2010. Vandermark e William Parker poderiam estar aqui, mas ainda não me chegaram. Há tempo.

Keith Jarrett & Charlie Haden, Jasmine
Brad Mehldau & Anne Sofie Von Otter, Love songs
Jason Moran, Ten
Mário Laginha, Mongrel Chopin
Kurt Elling, Dedicated to you
Charles Lloyd, Mirror
Christopher O’Riley, Second grace: the music of Nick Drake
Bill Charlap & Renee Rosnes, Double portrait
Stefano Bollani, Stone in the water
Ralph Towner & Paolo Fresu, Chiaroscuro
Winton Marsalis, Vitoria suite

37

Os seis primeiros fariam parte de qualquer lista de um ano razoavelmente bom, os seguintes talvez não. O filme de Sam Mendes pareceu-me o mais subestimado pela crítica, o de Baumbach aquele que me pede uma segunda visão. Algumas coisas de 2010 estão agendadas para dvd, depois falamos (ou não).

O laço branco, Michael Haneke
Eu sou o amor, Luca Guadagnino
Dos homens e dos deuses, Xavier Beauvais
Um lugar para viver, Sam Mendes
Whatever works, Woody Allen
Um homem sério, Coen
Shuter Island, Martin Scorsese
Um homem simples, Tom Ford
Greenberg, Noah Baumbach
O escritor fantasma, Roman Polanski
O americano, Anton Curbjin

36

Entre a realidade e a lenda, quase sempre se publicou a lenda. Entre a realidade e o preconceito, quase sempre se publicou o preconceito. A realidade não dá boas histórias? Dá, mas são mais curtas que a lenda e que o preconceito. Mais curtas também nas nossas reações: um espanto mudo em vez do interminável choradinho dos vencedores ou das vítimas. Portanto, antes de mais, nada afirmes, pergunta apenas. E espera pela primeira resposta, pela segunda, pela terceira. Continua a perguntar. Quanto não te responderem mais, é altura de começares a pensar. Estarás sozinho e por tua conta. Contra ti estarão a lenda, o preconceito, mas também a realidade. Não fomos feitos para as perguntas, muito menos para as perguntas depois das respostas.

35

E deu. Chega para mim e para todos. Raro exemplo nosso de novo cantautor. Se os deuses estiverem pelos ajustes, há-de dar ainda mais.

34

É qualquer coisa como isto, o que queremos. A incerteza é uma conselheira sábia, pede discernimento e isso protege-nos da alucinação da nossa verdade. Qualquer coisa como isto: o lusco-fusco do nosso desejo em negociação com a realidade do mundo.

33

É qualquer coisa como isto, o que queremos.

 Rosa Maria Martelo, A porta de Duchamp, Averno, p. 20 (clique para ampliar)

Driving Miss Laura # 32

Pré-publicação de Testamento Vital, de Laura Ferreira dos Santos, no Público de hoje. Dia 13 nas livrarias.

32

A lista nº 3. Uma ausência preocupante de ensaios, mas aconteceu. Quanto à arrumação, os dois primeiros vão-me acompanhar durante muito tempo (e tempo é um dos bens mais preciosos que não tenho), o resto vai por géneros.
*
Gonçalo M. Tavares, Uma viagem à Índia
Ferreira Gular, Em alguma parte alguma
*
Martin Amis, A viúva grávida
Ricardo Menéndez Salmón, Derrocada
Rosa Maria Martelo, A porta de Duchamp
Rui Manuel Amaral, Doutor Avalanche
Pedro Mexia, Nada de dois
José Ricardo Nunes, Alfabeto adiado
Rui Cardoso Martins, Deixem passar o homem invisível
*
Ferreira Gullar, Poema sujo
Carlito Azevedo, Monodrama
Paulo Henriques Britto, Macau
Luís Quintais, Riscava a palavra dor no quadro negro
Margarida Vale de Gato, Mulher ao mar
Armando Silva Carvalho, Anthero areia & água
Nuno Júdice, Guia de conceitos básicos
José Miguel Silva, Erros individuais
*
Pedro Eiras, Substâncias perigosas
Peter Zumthor, Atmosferas
Alexis de Tocqueville, Quinze dias no deserto americano

31

Aprender com os melhores. O segundo cd é dos encontros de Carlos Paredes com outros nomes ilustres. O último no alinhamento é com Charlie Haden. Longo encontro, um magnífico e superlativo desastre. Cada um a tentar sair do seu reduto, cada um a falhar para o seu lado. Paredes até roça a bossa nova, Haden roça aquela coisa esquisita e excitante a que lhe devia soar a guitarra portuguesa. Convém recordar Sartre: o jazz é para consumir no local, como as bananas. A imagem não é das melhores, mas a ideia percebe-se. Executou-se no local um gesto político corajoso. Hoje resta a música. Esta lição comovente de algumas fronteiras intransponíveis na figura dos seus maiores. Não há Paredes & Haden. Salvé grande Carlos Paredes. Ponto. Salvé grande Charlie Haden. Ponto. ( Sim, claro, é por isso: magnífico e superlativo desastre, a vida. What else?).

30

O pessimista não corre para a sua perdição, que todavia sabe que há-de chegar. Até lá, comporta-se como um humano sensato, e pode até dedicar-se àquelas artes que passam razoavelmente despercebidas no espaço público: a filosofia, a ficção, a poesia, digamos, o pensamento em geral.
O ressentido é o grande cronista social de todos os quadrantes políticos. Confundem-no sempre com o pessimista porque nos dá o fel nosso de cada dia, tarefa que desempenha com fidelidade admirável porque não tem dúvidas sobre si próprio nem ninguém lhe pede responsabilidades dos juízos errados do passado — a última coisa que o excelentíssimo público quer saber é que aqueles a quem aponta o dedo  não são afinal culpados mas apenas bodes expiatórios. Enquanto puderes apontar o dedo a alguém  com convicção está traçado o teu caminho para mais um dia, não há mais perguntas a fazer. O ressentido e o excelentíssimo público têm uma aliança indestrutível alimentada a convicção. Nada é tão auto-reprodutor quanto a convicção.

29

Um pessimista acha que apesar de algumas coisas correram bem, e apesar da manifesta boa vontade de algumas pessoas, a longo prazo tudo acabará mal.
Um ressentido acha que apesar de tudo correr mal, e apesar da manifesta vilania da quase totalidade das pessoas, tudo seria diferente se ele mandasse ou se pelo menos lhe dessem ouvidos.

Driving Miss Laura # 31

No Público de hoje, Laura Ferreira dos Santos comenta o parecer do Conselho Nacional de Ética sobre as propostas de Lei acerca do Testamento Vital: Fracturas, compromissos e "sabotagens" [pode-se ler aqui ou ampliando em baixo].


28

Não, que ideia, nada de confusões. Isso aí em baixo é apenas um exercício de cesuras (e algum desbaste) a partir de uma impressão real de trabalho — ou de distração dele, para sermos precisos. O mundo continuou nos seus gonzos, aquilo diz afinal o contrário do que diz, e por isso aqui continuo às voltas com o trabalho inacabado.

27

Quase nocturno

A cabeça rápida nas coisas que há
para fazer. O nevoeiro lá fora é apenas
o nevoeiro lá fora. Desço
a persiana de volta ao que a cabeça manda.

26

a cabeça lúcida rápida nas coisas que há
para fazer o nevoeiro lá fora é apenas
o nevoeiro lá fora olhá-lo desacelera
vejo grandemente o nevoeiro desço
a persiana de volta ao que a cabeça manda

25

momento alberto caeiro (na esquina com álvaro de campos)

a minha cabeça está lúcida rápida nas coisas que há para fazer
o nevoeiro lá fora é apenas o nevoeiro lá fora
olhar o nevoeiro desacelera a cabeça
vejo grandemente o nevoeiro lá fora
desço a persiana e volto triste lúcido rápido ao que a cabeça manda

24

Ok, vamos lá então a isso. Leio muito menos do que queria (a culpa é do re-ler, do escrever e da vidinha em geral), e no que leio nem sempre estão os livros que desejava. Dito isto, as razões de queixa são quase nenhumas. Seguem duas listinhas, para já: 1) as obras que fui dando nas aulas, sem distinguir cursos nem matérias,  e 2) as obras sobre as quais ensaiei, sem distinguir artigos ou perspectivas. 1) e 2) são ritmos muito diferentes de leitura e de comentário, mas isso fica para outra vez.

1.
Rei Édipo, Sófocles;
Hamlet, Shakespeare;
À espera de Godot, Beckett;
Caderno de memórias coloniais, Isabela Figueiredo;
O chão dos pardais, Dulce Maria Rebelo;
O Senhor Breton, Gonçalo M. Tavares.

2.
Caderno afegão, Alexandra Lucas Coelho;
Nenhum olhar, José Luís Peixoto;
Aprender a rezar na era da técnica, Gonçalo M. Tavares;
o nosso reino, valter hugo mãe;
o remorso de baltazar serapião, valter hugo mãe;
o apocalipse dos trabalhadores, valter hugo mãe;
a máquina de fazer espanhóis, valter hugo mãe;
Medeia, Eurípedes;
Desmesura. Exercício com Medeia, Hélia Correia;
Medeia, Mário Cláudio