Driving Miss Laura # 13

Hoje, na TVI 24, programa Cartas na Mesa, às 20h, Laura Santos, Galriça Neto, Pedro Ponce e Feytor Pinto debatem eutanásia e suicídio assistido.

Adenda: parece que o alinhamento mudou, às 2oh é o debate sobre o casamento de pessoas do mesmo sexo, às 21h ou 22h entra a eutanásia e o suicídio assistido.

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Companhia nocturna # 45

Sim: a melancolia, o alívio, a pequena alegria feroz, a indiferença dos impossíveis.

48 # 11

O filho pródigo não regressa apenas por ter perdido tudo, regressa também quando ganha tudo. Regressa quando a sua vida conseguida não impede que o pó se levante. Regressa ao reconhecer nas duas gotas de mel nos seus lábios o sabor da infância que nunca houve. Regressa para verificar com alívio que pouco ou nada de si perdura, que tudo está pronto para os que virão.

48 # 10 ou Pó, uma adenda

porque ao pó hás-de voltar,
ainda que na linha dos teus lábios se detenham
duas gotas de mel.
José Agostinho Baptista, Filho pródigo

O “ainda que” como dobradiça da nossa existência.
Primeiro, a longa idade das hipóteses de vitória: o “ainda que” abre para o mundo disponível, alcança-o por sobre todos os nossos impedimentos de partida.
Depois, a idade madura da porta fechada, “ainda que” se ouça de um lado para o outro, "ainda que" passemos sem obstáculos de um lado para o outro — essa sensação estranha, e contudo incontornável, de que mais do que termos falhado alguma coisa de essencial, nos foi permitido assistir à falha que nos estava particularmente destinada.
Por fim, a idade incerta da porta que abre para dentro, esse regresso ao pó inaugural — “ainda que” essas duas gotas de mel nos teus lábios me façam, por instantes, voltar as costas à morte.

Companhia nocturna # 44

As gotas de mel que sobrevivem ao pó.

A Vanessa, o Renato, os livros e as suas capas

A notícia tem corrido célere, mas incompleta. O Manchas, sediado em Braga, embora quase nunca desça à Avenida Central nem aos cafés da malta, tem as suas fontes de informação privilegiadas. Assim, a bem da verdade, julga-se útil proceder aos seguintes esclarecimentos.

1. Os agentes da PSP procederam à apreensão das capas alegadamente pornográficas, não dos livros. Acontece, porém, que os mesmos estavam firmemente colados ou cosidos às capas, razão pela qual os agentes da PSP, não querendo destruir propriedade alheia sem competente decisão judicial, acabaram por ter também de apreender os supracitados.

2. Os agentes da PSP, no acto da apreensão acima descrito, informaram, como era seu dever, acerca das razões que fundamentavam a sua acção. Usando mesmo de sentido pedagógico, e atentas as circunstâncias de algum público ter acorrido ao local do incidente, fizeram a demonstração da influência perniciosa das capas publicamente expostas através de um breve interrogatório a uma passante, de seu nome Renata, quinze anos, estudante:
PSP: A menina não acha esta capa uma vergonha? Esta capa não fere os seus sentimentos de decência?
Renata: Antigamente era assim, não havia a depilação toda que há agora, nem estes métodos avançados com laser e ultra-sons, ou aquelas técnicas brasileiras que também são muito boas e que as actrizes americanas usam, antigamente era assim, prontos, e vê-se que isto é muito antigo também por via da lingerie, tipo, não há aqui lingerie nenhuma e isso é muito antigo porque agora as mulheres são mais femininas e liberadas.
PSP: Então podemos levar as capas?
Renata: Por mim podem, eu não ligo muito pra coisas antigas, o pessoal agora tá noutra mais aberta, tipo, já nem num homem se admitem estas coisas, não é?

3. Neste entretanto, Renato, 18 anos, estudante de comunicação social, entrou também no diálogo, tornando o mesmo conclusivamente pedagógico:
Renato: Com vossa licença, senhores agentes da autoridade, isto tecnicamente não pode ser considerado pornográfico.
PSP: Não pode? Tecnicamente?
Renato: Tecnicamente, isto é uma antiguidade.
PSP: Uma antiguidade?
Renato: Uma antiguidade. Com vossa licença, estes postais e fotografias são coisa antiga, mesmo muito antiga. Está bem que lá no seu tempo isto ainda era capaz de fazer o seu efeito, mas hoje é tão excitante como essas mulheres nuas que têm numa mão a espada, na outra a balança, e os olhos vendados: para coisa sado-masoch, não aquece nem arrefece, não é?
PSP: Com que então uma antiguidade...
Renato: Nem mais, uma antiguidade. Uma coisa vintage, artigo de coleccionador, tipo, coisas da história, o que era já não é, está tão petrificado como os amantes do Vesúvio, será petrificado?, não interessa, tipo, são coisas do passado, tecnicamente não...
PSP: É uma antiguidade, já percebemos. Vamos na mesma proceder à apreensão deste material porque esta não é uma feira de antiguidades, a exposição e venda deste produto viola a licença municipal concedida para este evento público.

4. Repostos os factos em toda a sua integralidade, bem como as circunstâncias em que os mesmos tiveram lugar, o Manchas apela à calma e avança desde já a sua solidariedade para com os Senhores Magistrados do Ministério Público que terão de proceder à leitura dos supracitados apreendidos — trabalho, a quanto obrigas...




Nenhuma pergunta, nenhuma resposta,
nada podemos esperar,
junto às cancelas fechadas pelos guardas do
terror.

Pouco haverá a fazer,
sussurrou o anjo sobre a curva do meu ombro,
porque já não és nada,
porque ao pó hás-de voltar,
ainda que na linha dos teus lábios se detenham
duas gotas de mel.

José Agostinho Baptista, Filho pródigo, Assírio & Alvim, 2008, p. 94

Chamar a primavera

48# 9

“Eu começo depois da escrita, toda a escrita começa depois
da escrita”
(Luís Quintais, Mais espesso que a água, p. 48)
.

Forma radical de dizer a idade.
Há um começo depois do fim em que nada começa ou recomeça porque o essencial já está sabido e devidamente perdido. Serás julgado pela forma como aprendeste e esquecido pela forma como perdeste. Nada disso terá muita importância, mas ficará escrito como tudo de alguma forma fica escrito.
Depois começa outra história, sem história que importe porque tudo está já para além disso. Alguns sabem-no — essa é a derradeira divisão.

Quase o verão

Um mandolim (Chris Thile) e um contra-baixo (Edgar Meyer), doze originais bem percutivos, endiabrados, inventivos. Nada da música de câmara que os instrumentos poderiam deixar antever — grandes espaços abertos, velocidade, a alegria do sol.

Voltando atrás #8

Só com isto, Pessoa não seria Pessoa, como só com As Farpas, Eça não seria Eça. Mesmo assim, há aqui mais inteligência e humor do que em toda a verve política a que agora temos direito. Isto não é uma queixa sobre a decadência da nação ou da pátria ou do raio a quatro, que esses nunca foram pobres que eu esmolasse. É um simples cumprimento de cabeça enquanto continuo caminho. Como dizia o outro: passar bem!

WC Lectures # 33

Esse murro da capa é por tudo quanto ele a fará eventualmente sofrer no futuro. Não deixa de ser sensato, convenhamos. E até pode desde já desanuviar certos e determinados climas. (Ou não).

48 # 8

Não mudaste nada, dizem-me alguns, e querem apenas dizer que me reconhecem. Mas não há um medidor instantâneo do tempo que passa, e uma conversa de circunstância é apenas uma conversa de circunstância.

Voltando atrás #7

Antony, The crying light

Não é repetição, é espiral.

48# 7

Equilíbrio instável: o tempo afunila e obriga a escolher, e há nisso também alívio; mas antes a incerteza da escolha. E a questão nem é não ficarmos muitas vezes com o que escolhemos mas com o que nos calha. A questão é que o que nos calha quase sempre diz mais verdade sobre nós do que o que escolheríamos.

Um post para as minhas aulas ou Não era mau saber um pouco de história ou Olhe que se está a dirigir às pessoas erradas ou por fim Haja esperança

Este é um post para as minhas aulas, um post sobre reivindicação de direitos que deve ser atendido. Se bem percebo, Vasco Lobo Xavier (VLX) casou pela igreja, logo também pelo civil, mas perante a alta degradação do casamento civil — que agora mete divórcio por dá cá aquela palha, não defende nada nem ninguém, e previsivelmente vai abranger casamento de pessoas do mesmo sexo — quer descivilar-se (notem bem que eu não digo descivilizar-se, ok?) e re-casar-se, ou pelo menos re-afirmar o seu casamento apenas como sacramento à luz da sua fé e religião. Absolutamente de acordo. Compreendo que VLX não queira misturas indesejáveis, está no seu pleno direito de separar o que é da religião e o que é da sociedade civil, pode contar comigo para qualquer batalha civil nesse sentido.
Mas qualquer batalha tem que estabelecer claramente o seu inimigo, e aqui o inimigo não é o Estado. Não foi o Estado quem obrigou que todo o casamento religioso católico fosse automaticamente reconhecido como casamento civil, foi a Igreja quem o reivindicou e o quis na Concordata. Como primeiro passo, VLX terá de se dirigir à Santa Sé e solicitar-lhe uma revisão da Concordata que separe claramente o sacramento do contrato civil, de modo a que VLX possa ter o sacramento sem ter o contrato. Eu acho que a Santa Sé não irá nessa conversa, até porque o sacramento, ainda antes de existir o casamento civil, era entendido como tendo uma face contratual pela qual, no fundo, o Estado reconhecia o modo civilizacional que o Cristianismo tinha emprestado à organização das sociedades (claro que tais formas eram anteriores ao próprio Cristianismo, mas para efeitos de prática ideológica a memória social não costuma recuar tão longe...). Mas que sei eu? Estou de fora do clube, tudo o que posso garantir a VLX é o meu apoio moral à sua reivindicação e hospitalidade infinita caso o seu clube o expulse por achar que a sua posição atenta gravemente contra [o poder] a presença e influência civilizacional da Igreja no seio das sociedades.
Obtida a anuência da Santa Sé, VLX pode contar comigo na primeira fila do combate para que o Estado reveja a Concordata nesses termos. Sendo preciso, estou convencido que as outras religiões também darão uma mãozinha, segundo aquele tão velho princípio de que ou há moralidade, ou comem todos.
Haja esperança, portanto.

Prova

Este livro é a prova acabada de que os blogs não são livros nem andam lá perto. O que há de consistente na sucessão destes textos, os seus re-envios, a sua reflexão no osso, a sua mordacidade e salutar cinismo, a forma displicente e contudo minuciosa como faz um sistema de pensamento não-sistemático — tudo isto apenas o livro o deixa claro, porque reúne, porque o suporte papel criou certos dispositivos de leitura “naturalmente” atentos ao conjunto e que retiram da ideia de conjunto uma aproximação mais informada ao fragmento, porque lemos em confronto com o todo do livro e não na roda livre da dispersão dos posts.
Claro que podemos sempre dizer que a qualidade básica estava lá, nos posts originais — é um postulado correcto mas inútil. O pensamento não vive da pressa, mas do espaço à volta para ressoar, remoer, re-pensar — e num blog não há espaço à volta. É por isso que o texto da pequena política, da espuma dos dias, fica bem num blog — passa rápido como a conversa de café ou o desabafo entre duas tarefas, essas mesmas tarefas entre as quais se faz a pausa para ler o blog. Mesmo quando a pequena política tem a nobreza de dizer respeito ao único presente que temos para viver.

Companhia nocturna # 43


o jarrett é um improvisador
improvisa tão completamente
que chega a improvisar que é [melodia
a melodia deveras existente

48 # 6

Um blog tem isto de parecido com a idade: a operação de despojamento é não só difícil como sobretudo inútil. Como se despoja um blog? Cortando posts já publicados? Ninguém nota. Escrevendo menos? Ninguém falará em despojamento mas em mil e uma outras razões (e todas plausíveis, convenhamos). Morrendo de vez? Dirão que é a lei natural das coisas (e não serei eu a desmenti-los). Resta o lance difícil: deixar de querer que alguém perceba o que quer que seja das nossas decisões. É possível querer viver deste modo? Sim. É possível viver efectivamente deste modo? Não — onde o silêncio abunda, o equívoco super-abunda. É essa a prova a contrario que retiro da vida mística: o silêncio deles é apenas a disponibilidade inteira para falar com o único interlocutor que julgam realmente válido.

Olhares



Sexta-feira 13, lucky day

48 # 5

Às vezes basta isto: abrir a persiana pela manhã, o sol encher o quarto ainda ensonado. Um mecanismo felino anima todos os gestos, tempo limpo, presente, corpo vivo. Às vezes basta isto, e é inútil perguntar porquê.

48 # 4

Quando vejo a palavra
realidade a correr a meu lado, nada
faço para detê-la.
Os dias que se somam,
o vento do Norte,
o tempo que falta para a piscina,
as prestações,
o teu sorriso a exigir resposta, vão ainda
mais adiantados.
José Ricardo Nunes, Apócrifo, Porto: Deriva, 2007, p.28

Companhia nocturna # 42

Gravado em 1992. Perdido por lá. Editado em 2008. Soa como 2009. Fui logo abrir ali umas pastas que eu cá sei*. Mas não — soa-me tudo a acne e cabeça contra a parede, e disso continua a haver que chegue. Continuemos.

*papeis, só papeis, nada de equívocos

Menos gripe, mais trabalho, um pouco de sol

....................(...) O que não tenho,
o que poderia ser diferente, aquilo com que faço
a minha vida, tudo converge. A este desafio
chama-se tempo? (...).........................................

José Ricardo Nunes, Apócrifo, Porto: Deriva, 2007, p.21

Companhia nocturna # 41

A gripe, o trabalho, a gripe, a humidadechuvavento, a gripe, o trabalho, a cabeça que faz que anda mas não anda, a gripe, o trabalho, o concerto desequilibra o programa, o piano solo é suficiente, bach e transcrições de bach, pareceu-me muito solar, melhor meteorologia lá que aqui, a gripe, o trabalho — mas acho que já tinha dito isto, a gripe, o trabalho.

Companhia nocturna # 40

Ainda me lembro do choque de Mozart acorrentado ao passado nas mãos de Glenn Gould. Um Mozart espectro de Bach, sugado de toda a sua melancolia finamente joyeuse, uma coisa dolorosa de ouvir mas que me fez o seu ponto conceptual, no fundo tão simples: talvez Mozart não começasse com Mozart mas um pouco lá mais atrás...
Gulda olha para esse passado e põe Mozart a caminhar através dele em direcção a nós. O cd abre com a K. 331, o que tem a enorme vantagem de nos fazer saltar o dilema do ame-o ou deixe-o — adora-se e não se quer largar.

48 # 5

Natureza

Humanos?
Qual a diferença,
a ínfima dobra,
que faz a diferença?

[Luís Quintais, Mais espesso que a água, Cotovia, 2008, p. 101]

Na resposta definitiva que não há, que outra dobra para além do próprio ponto de interrogação?

48 # 4

Tarde para ser precoce, cedo para ser sábio.

Voltando atrás # 6

Parece e é lógico: para cada história/texto, o seu traço e tom de cor. Mas não é fácil consegui-lo, muito menos sem deixar um rasto de família que vá anulando bastante as diferenças.
Relendo, são quadros falados que se movem segundo o rigor de uma série. De cada uma se pode dizer que nasce e morre dentro da sua própria vida. Custa-nos voltar as páginas, porque toda a vida é demasiado breve; custa-nos não estar já na próxima vida, porque este é um mundo sem repetição, apenas diferença feérica.

O homem que confundiu o blog com um chapéu

Estava cheio de fome, tanto se lhe dava que fosse da árvore do conhecimento como da árvore do esquecimento.