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O pessimista não corre para a sua perdição, que todavia sabe que há-de chegar. Até lá, comporta-se como um humano sensato, e pode até dedicar-se àquelas artes que passam razoavelmente despercebidas no espaço público: a filosofia, a ficção, a poesia, digamos, o pensamento em geral.
O ressentido é o grande cronista social de todos os quadrantes políticos. Confundem-no sempre com o pessimista porque nos dá o fel nosso de cada dia, tarefa que desempenha com fidelidade admirável porque não tem dúvidas sobre si próprio nem ninguém lhe pede responsabilidades dos juízos errados do passado — a última coisa que o excelentíssimo público quer saber é que aqueles a quem aponta o dedo  não são afinal culpados mas apenas bodes expiatórios. Enquanto puderes apontar o dedo a alguém  com convicção está traçado o teu caminho para mais um dia, não há mais perguntas a fazer. O ressentido e o excelentíssimo público têm uma aliança indestrutível alimentada a convicção. Nada é tão auto-reprodutor quanto a convicção.

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