A notícia tem corrido célere, mas incompleta. O Manchas, sediado em Braga, embora quase nunca desça à Avenida Central nem aos cafés da malta, tem as suas fontes de informação privilegiadas. Assim, a bem da verdade, julga-se útil proceder aos seguintes esclarecimentos.
1. Os agentes da PSP procederam à apreensão das capas alegadamente pornográficas, não dos livros. Acontece, porém, que os mesmos estavam firmemente colados ou cosidos às capas, razão pela qual os agentes da PSP, não querendo destruir propriedade alheia sem competente decisão judicial, acabaram por ter também de apreender os supracitados.
2. Os agentes da PSP, no acto da apreensão acima descrito, informaram, como era seu dever, acerca das razões que fundamentavam a sua acção. Usando mesmo de sentido pedagógico, e atentas as circunstâncias de algum público ter acorrido ao local do incidente, fizeram a demonstração da influência perniciosa das capas publicamente expostas através de um breve interrogatório a uma passante, de seu nome Renata, quinze anos, estudante:
PSP: A menina não acha esta capa uma vergonha? Esta capa não fere os seus sentimentos de decência?
Renata: Antigamente era assim, não havia a depilação toda que há agora, nem estes métodos avançados com laser e ultra-sons, ou aquelas técnicas brasileiras que também são muito boas e que as actrizes americanas usam, antigamente era assim, prontos, e vê-se que isto é muito antigo também por via da lingerie, tipo, não há aqui lingerie nenhuma e isso é muito antigo porque agora as mulheres são mais femininas e liberadas.
PSP: Então podemos levar as capas?
Renata: Por mim podem, eu não ligo muito pra coisas antigas, o pessoal agora tá noutra mais aberta, tipo, já nem num homem se admitem estas coisas, não é?
3. Neste entretanto, Renato, 18 anos, estudante de comunicação social, entrou também no diálogo, tornando o mesmo conclusivamente pedagógico:
Renato: Com vossa licença, senhores agentes da autoridade, isto tecnicamente não pode ser considerado pornográfico.
PSP: Não pode? Tecnicamente?
Renato: Tecnicamente, isto é uma antiguidade.
PSP: Uma antiguidade?
Renato: Uma antiguidade. Com vossa licença, estes postais e fotografias são coisa antiga, mesmo muito antiga. Está bem que lá no seu tempo isto ainda era capaz de fazer o seu efeito, mas hoje é tão excitante como essas mulheres nuas que têm numa mão a espada, na outra a balança, e os olhos vendados: para coisa sado-masoch, não aquece nem arrefece, não é?
PSP: Com que então uma antiguidade...
Renato: Nem mais, uma antiguidade. Uma coisa vintage, artigo de coleccionador, tipo, coisas da história, o que era já não é, está tão petrificado como os amantes do Vesúvio, será petrificado?, não interessa, tipo, são coisas do passado, tecnicamente não...
PSP: É uma antiguidade, já percebemos. Vamos na mesma proceder à apreensão deste material porque esta não é uma feira de antiguidades, a exposição e venda deste produto viola a licença municipal concedida para este evento público.
4. Repostos os factos em toda a sua integralidade, bem como as circunstâncias em que os mesmos tiveram lugar, o Manchas apela à calma e avança desde já a sua solidariedade para com os Senhores Magistrados do Ministério Público que terão de proceder à leitura dos supracitados apreendidos — trabalho, a quanto obrigas...
A Vanessa, o Renato, os livros e as suas capas
Luís Mourão
24.2.09 |
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