A lenda — e digo lenda porque nestas coisas que se leram em outros é sempre aconselhável tomar algumas precauções —, a lenda diz que Duchamp trabalhou vinte anos em segredo no Grand Verre. A sua vida corria tão normalmente quanto era possível a sua vida correr, e o seu segredo estava bem guardado. Vinte anos. Em segredo. Naquela espécie de silêncio que é o combate íntimo no meio do quotidiano.
Digo isto porquê? Não retiro daqui nenhuma ética, embora o pudesse fazer. Mas seria inútil. O fundamental é que as coisas mudaram. É impossível olhar para o Grand Verre e perceber o peso de vinte anos. Ou a lenda do peso de vinte anos. Vinte anos de qualquer coisa — hoje, não existe. Só como cronologia inútil — uma profissão, uma ligação, qualquer coisa assim na qual vinte anos não é um bloco substancial, denso, mas o listar de acelerações e transformações mais ou menos aleatórias, mais ou menos retrospectivamente alinhadas. Fomos desligados de um tempo de projecto que poderia ser um tempo subjacente à espuma dos dias.
É isto um programa de luto? Não. Um programa estóico. Que, enquanto programa, é tão antigo quanto a humanidade consciente de si mesma. Claro que aqui o post já não tem piada e é tempo de acabar.
Manual do utilizador ou Le Grand Verre # 10
Luís Mourão
28.1.08 |
0 Comments
|
This entry was posted on 28.1.08
You can follow any responses to this entry through
the RSS 2.0 feed.
You can leave a response,
or trackback from your own site.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
0 comentários:
Enviar um comentário