Como se

isto fosse um blog que faz pausas, férias, ou qualquer coisa da mesma substância, e eu viesse aqui dizê-lo naquele jeito de agora vou ali dar um saltinho àquele lugar que não é este lugar etc e tal.
Nos inícios de Agosto a gente volta a falar.

Cidadãos debatem política

Algumas questões postas à consideração dos partidos, por ocasião das próximas eleições legislativas.
Pode-se ler aqui. Saber dos autores aqui (sim, também estou lá, se é isso que queriam saber). E querendo, subscrever aqui.

Companhia nocturna # 65

e ainda Eduardo Prado Coelho. Aquele momento decisivo — o Eduardo usava a expressão, servia-lhe para introduzir um princípio de narratividade na conexão pura dos conceitos —, aquele momento decisivo em que acompanhamos um autor mas num tom diferente. Como se adaptássemos a sua música a um instrumento para o qual ela não foi escrita. Digamos: abrir a casa de Bach, tomar o avião, atravessar o oceano, perder o simples estremecimento de deus, chegar ao vulgar campo da vulgar humanidade, recomeçar o trabalho da beleza, secreto, profano, doce como só a vulgar natureza o pode ser.
Depois, algum tempo depois, regressar.

A vida com árvores # 10

Janela aberta, vento nas árvores altas ao fundo, escrevo, re-escrevo, avanço, tenho de avançar. Do meu lugar não vejo o jardim, apenas o muro. Do mesmo branco que a página em branco no computador. Quando a laranjeira crescer virá para o meio da página. As palavras poderão pousar como pássaros. Esconder-se de outra maneira. Procurarei no verde sem ter de erguer os olhos.

Driving Miss Laura # 24

Hoje, no Expresso, secção "Livros" do Actual:

"Uma católica reflecte sobre um tema polémico: o direito a decidir da sua própria morte. Ela é a favor.
De entre aquilo a que se convencionou chamar temas fracturantes, a eutanásia é aquele que mais dúvidas e polémica levanta. Laura Ferreira dos Santos, licenciada em filosofia e professora na Universidade do Minho, aborda o assunto num livro cujo título evita, precisamente, a expressão eutanásia: "Ajudas-me a Morrer? A morte assistida na cultura ocidental do século XX". Ao substituir o termo controverso, que remete, entre outros, para o programa nazi de eliminação de deficientes, a autora indicia uma posição favorável àquilo a que prefere chamar "morte assistida". A obra é, porém, muito mais do que uma simples defesa do direito de cada um a "morrer segundo as suas próprias convicções". Dá a conhecer a diversa legislação vigente nos países europeus onde a eutanásia já foi despenalizada (estendendo também o estudo à Colômbia e a vários estados norte-americanos), discute exemplos concretos, alguns particularmente mediáticos (como o caso recente da italiana Eluana Englaro), trata com minúcia da situação em Portugal, distingue terminologias, e não recusa reflectir sobre as implicações religiosas, filosóficas, éticas e políticas que o assunto obrigatoriamente levanta. Estamos perante um ensaio sereno e bem alicerçado que não convencerá os defensores da sacralidade absoluta da vida, nem eliminará todas as dúvidas daqueles que torcem o nariz a legislação permissiva em domínio tão sensível. Apesar disso, pela clareza e seriedade de exposição, o livro de Laura Ferreira dos Santos, uma crente que já havia surpreendido pela heterodoxia do seu "Diário de Uma Mulher Católica a Caminho da Descrença" (dois volumes), vem contribuir de forma significativa para um debate cada vez mais urgente."
Ana Cristina Leonardo


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Depois de algumas horas de conversa «social»

É a questão mais simples e radical, cabe nela a filosofia toda: que fizeste com o que a vida fez de ti? É também o ralo mais implacável da escuta: porque uns falam apenas do que fizeram, como se nas suas façanhas a vida não tivesse lá posto nada de destino ou de dom; porque outros falam apenas das imposições da vida, toda a sua vontade concentrada no esculpir do queixume.

Driving Miss Laura # 23

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Apresentação por António Nóvoa.
9 de Julho, quinta-feira. 18.30h, Lisboa.
Livraria Bulhosa de Entrecampos.

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Lugar de estudo # 8 ou homenagem improvável a Foucault

Ou, talvez, o intelecto
seja esse espaço. E dali

o que se estuda por dentro

é sempre um fora sem fim.

Fernando Echevarría, Lugar de estudo, Afrontamento, 2009, p. 178

Um fora sem fim. A mística e o ateísmo, quando consequentes, convergem nesse inumano que é o exterior livre dos egos e das personas. No mais íntimo da minha intimidade, outra coisa que mim, dizia Agostinho; ou outra coisa que é já o fora sem fim de mim, poderia ter dito Foucault (de um modo menos canhestro, ne va sans dire, que o ouvido dele ouvia verdadeiramente as Goldberg noite dentro).
Em todo o caso, nem a mística nem o ateísmo são essa música chilra em que também convergem as beatices do personalismo e os arroubos do individualismo. De grande respeitabilidade política e democrática, claro, mas também não é isso que está em causa. O que está em causa sem realmente estar em causa (porque nunca foi uma grande questão aos olhos de todos quantos opinaram sobre as grandes questões), é a dificuldade do lugar de estudo. O despojamento. A despossessão.

Tiananmen / Xinjiang

Nem sempre é verdade que a história, repetindo-se, o faça segundo o modo da farsa.
Muitas vezes, repete-se como tragédia maior. A bem dizer, quase sempre.

Lugar de estudo # 7

Mais difícil que ocupar o pensamento com as coisas que queremos, é tirar de lá a espuma dos dias. Estudar por intermitências não vai longe. O que por aqui vamos fazendo é linha de montagem, pouco mais.

WC Lectures # 37


O outro dizia que enquanto acreditássemos na gramática não estávamos a salvo de deus. Agora percebemos que a coisa é mais funda: enquanto necessitarmos daquilo em que se inscrevem todas as gramáticas, nunca estaremos a salvo de deus.

Companhia nocturna # 64

Só os tempos lentos. Até que lento o mundo se olvide dele e de mim, existindo apenas.

... e não se pode mudá-lo? # 3

Ainda falam dos outros tempos, agora é que é alienação, em todos os canais Ronaldo, e eleições no Benfica, e Ronaldo, e eleições no Benfica, e... ah, esperem aí um bocadinho, estão-me aqui a dizer que há mais canais, e que também posso experimentar ler um livrito que a censura já acabou, ou que me posso juntar com a malta que mais de dois já não... bom, esqueçam...

... e não se pode mudá-lo? # 2

Cavaco fez muito bem em falar sobre Pinho. E fez muito bem em não falar lá sobre os gajos da Madeira, há que respeitar os poderes constitucionais, era agora o que faltava que... ah, esperem aí um bocadinho, estão-me aqui a dizer que o Cavaco também falou sobre os salários dos gestores, e distribuiu uma porrada de medalhas porque achou que e que e que... bom, esqueçam...

... e não se pode mudá-lo? # 1

Lá fora, Madoff apanhou 150 anos de prisão enquanto o diabo esfrega um olho. Cá dentro, as coisas arrastam-se anos, prescrevem, ninguém vai... ah, esperem aí um bocadinho, estão-me aqui a dizer que o tipo confessou tudo, mesmo tudo... bom, esqueçam...

Companhia nocturna # 63

JP Simões

Um dia ainda tenho de tentar perceber porque é que a intuição me diz para seguir certas dicas e outras não, às vezes provindas da mesma fonte. Regra geral engano-me a cinquenta por cento. Este pertencia ao lote dos “não seguir” — e como estava enganado.

Lacan sobre Manuel Pinho e os outros

Lacan, no Seminário III: “O sujeito normal é essencialmente alguém que se põe na atitude de não tomar a sério a maior parte do seu discurso interior. É por isso que o alienado representa para muitos, e sem que se chegue a dizê-lo, aquilo a que seríamos levados se começássemos a tomar as coisas demasiado a sério.”
Um Ministro deve ter um discurso interior de Ministro. E o Ministro exterior deve coincidir com o ministro interior. Manuel Pinho, como se sabe, passou-se. Quer dizer, foi sujeito normal por uns momentos, mas num lugar onde não podia sê-lo.
As consequências politicas não poderiam ser outras. O episódio é pedagógico, precisamente porque relembra a linha de fronteira entre política e não-política, uma fronteira que só existe na democracia, onde há lugar precisamente para o não-político, onde se sabe e se defende que os sujeitos da política têm também a sua reserva (saudável) de não-política.
É por isso que os comentários de toda a oposição, já depois do ministro demitido, me pareceram lacanianamente alienados. Reposta a dignidade política, nem uma palavra humana para aquilo que toda a gente percebeu ter sido humano, demasiado humano. Palavra que, ademais, teria sido profundamente democrática e pedagógica. Não. Apenas massacre. Sacrifício do touro.
A falta que fazem os ateus na política, quer dizer, os sujeitos normais.

Lugar de Estudo # 6

Chuva mansa, como a morrinha de verão sobre o mar.
Corpo sabe — tempo de ver e ouvir.

Vergílio, sempre

A Isabel Cristina Rodrigues é uma vergiliana errante. Não procede de um território teoricamente demarcado nem procura erguer uma leitura que persiga obsessivamente uma questão. Não é que haja mal algum em provir de uma teoria ou trabalhar uma obsessão até fazer dela a impessoalidade de uma estrutura — como em tudo na vida, e sobretudo como em tudo na vida da escrita, o que nos atrai ou afasta é aquilo que mostra capacidade de intensificar os nossos percursos de sentido. Mas feita a ressalva, dizer vergiliana errante é não apenas descrever um modo de aproximação múltiplo às obras de Vergílio, como sobretudo sublinhar uma qualidade: a deambulação ao sabor de alguns temas, feita de uma cultura discreta mas segura, mais preocupada sempre em mover o sentido do que fazer dele uma possível verdade. Percebe-se a rede de uma sensibilidade (crítica, literária, humana) e de uma voz que, lendo indubitavelmente Vergílio, chega a lugares porventura não-vergilianos, mas sempre na sua companhia. Os autores existem para isso, para nos acompanharem como batedores do sentido a lugares que nenhum de nós tinha visitado. E os leitores errantes para isso servem, para acompanharem os autores libertos de si mesmos enquanto autoridade.

Companhia nocturna # 62

Pela janela, o cheiro nocturno da relva cortada e molhada. Sombras afundadas de verde. Ouvir numa atenção leve, fluida, como um voo de pássaro que apenas se entregasse aos acasos da brisa. Fazer desfazer existir. Coisa próxima, doméstica, abertamente humana. Refrescou.

Aquele órgão só de professores doutores por extenso # 16

A gente ouve daqui e dali e de si próprio, e o limiar da náusea vai-nos engolindo. Fuga & queixume: é triste tanta palavra que não sabe da morte de Pina Bausch. Mas é pior, é muito pior: tanta palavra que nunca soube que Pina Bausch alguma vez existiu, que pensa como se Pina Bausch nunca tivesse movido o pensamento.

Aquele órgão só de professores doutores por extenso # 15

Sabendo-se demasiado brilhante, escolheu o silêncio por um ano.
[Claude Roy citado por EPC, Tudo o que não escrevi, p.74]

Aquele órgão só de professores doutores por extenso # 14

Ivan Brunetti, Ho!, Washington: Fantagraphics Books, 2009

E como a ti também te tinha prometido, pois aqui fica também.

Aquele órgão só de professores doutores por extenso # 13

Ivan Brunetti, Ho!, Washington: Fantagraphics Books, 2009

Tal como te tinha prometido, aqui fica.