E só tu sabes


Mesmo da poesia, que iluminava o tempo, vais
colhendo apenas a amargura; os outros procuram nela
sinais de um destino, datas curiosas, zangas, ventanias,
armadilhas, mas tu sabes —e só tu sabes —
que a tua vida é a tua vida e que o poema
é empurrado por outro sopro, por um reflexo,
um medo brutal, pela memória dos que morreram
e levaram uma parte de ti, um pouco do que havia
de comum entre ti a e a vida, esse desperdício —às vezes —,
esses momentos de glória em dias felizes.
[Francisco José Viegas, Se me comovesse o amor, Quasi: Vila Nova de Famalicão, p.44]

Repetir as vezes que forem necessárias (há sempre quem não perceba estas coisas): e só tu sabes não é o que o sujeito lírico sabe a mais do que os outros, por ter descido nele a unção da poesia; e só tu sabes é aquilo que só um sujeito pode saber sobre si mesmo, confinado à sua solidão, à sua vida que é a sua vida: o impartilhável, o que brevemente esquecemos de nós quando partilhamos o exterior em que todos os encontros são possíveis.

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