O caso dos incentivos financeiros

Meu caro Eduardo Pitta, eu até concordo, em princípio, que os incentivos financeiros não deveriam fazer sentido. Isto, se a realidade fosse razoável. Ora, não é.
Para pôr a coisa em termos brutos, se o telefonista pedir incentivos financeiros, para além do seu ordenado, para ser telefonista, acho que não será difícil arranjar substituto que desempenhe as funções cabalmente pelo ordenado habitual. Já um médico, não se arranja assim do pé para a mão. E isto, convirá, é um problema. Mas é um problema que tem culpados, e disso é que não se fala (ou fala-se tão pouco, que é como se se não falasse). E o problema, um clássico da lei da oferta e da procura, é que independentemente da vontade de algumas tutelas, as faculdades de medicina se têm recusado sistematicamente a aumentar o número de médicos a formar — eles bem sabem quem defendem. Sem mexer nisto, não se consegue mexer no resto.

Mas enquanto não se mexe nisto, eu não meteria no mesmo saco os profissionais das unidades de saúde familiar e os cirurgiões dos transplantes. O Eduardo acha que os cirurgiões dos transplantes não irão nunca para a privada, porque a privada não paga o que o serviço público acaba por pagar por essas intervenções. Tem toda a razão. Mas o problema é que esses cirurgiões, se fossem para a privada, obviamente não iriam fazer transplantes, iriam fazer cirurgia geral. Aquele tipo de cirurgia coberto parcialmente pelas seguradoras, e que alguma classe média paga para não ficar nas listas de espera e ser operada por alguém com pergaminhos. Sem mencionar nomes ou especialidades, posso dizer-lhe que estou ao olhar para um recibo de cirurgião de 1600 euros (só dele, há depois o resto da equipa). A intervenção durou uma hora e pouco, e pode-se dizer que foi “rotineira”. Nesse dia, fez quatro intervenções. Foi um dia calmo. É só fazer contas. Isto custa a dizer, mas neste panorama, os cirurgiões dos transplantes até fazem serviço social...

Há que atacar na raiz.

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