João Paulo Sousa acusa a actual equipa do ministério da educação de surdez para o diálogo político. E condu-la até Nietzsche, o da Gaia Ciência (Die fröliche Wissenschaft, 1882): «Um nunca tem razão, mas com dois começa a verdade. Um não se pode demonstrar, mas dois já não se podem refutar» (Lisboa, Relógio d’Água, 1998, p. 184).
O que me parece aqui interessante, de algum modo sintomático, é considerar a equipa do ministério, esta ou qualquer outra, como Um. Não é por ela ser equipa que não é Um. Não é por ser parte de um governo que não é Um. Não é sequer por representar democraticamente uma maioria que não é Um. É pelo simples facto de o que quer que esta ou qualquer outra equipa pense, nunca esse pensamento é o pensamento de Um, mas já sempre o resultado de um longo diálogo/combate social.
Ponhamos as coisas de outra maneira. Por razões profissionais, ao longo dos últimos doze anos, tive de reunir com ou opinar sobre documentos de tudo quanto foi ministro e secretário de estado da educação e do ensino superior (e neste “tudo” incluo equipas e documentos de equipas constituídas por iniciativa das várias tutelas). Em meu juízo, ouvi coisas desde o muito inteligente até ao quase ridículo; às vezes vindas da mesma personalidade, conforme as áreas sobre as quais se pronunciava. Mas nunca ouvi, nunca mesmo, uma única ideia ou opinião que não circulasse já nos corredores do “meio”, que não tivesse já os seus defensores e os seus opositores; e nos casos mais polémicos, nunca ouvi uma única ideia que não circulasse já no seio da opinião pública, com as suas distorções, os seus clichés demagógicos, mas também com o seu grão de justiça ou de desejo de justiça.
Pensar, por exemplo, que a questão da avaliação dos professores é uma questão entre o Ministério da Educação actual e a classe docente é, do meu ponto de vista, um erro estratégico. Nisto, o Ministério da Educação não é seguramente Um, mas um pulular social e de opinião pública que, independentemente de alguns erros parciais no processo, quer meios de distinguir o trigo do joio. Nestas situações, a resposta da classe docente, enquanto classe, é particularmente difícil, porque raramente encontra o meio de apontar com clareza os aspectos controversos sem pôr em causa o sentido de justiça que o todo da medida visa. Outras vezes também se percebe que os porta-vozes da classe não querem, deliberadamente, fazer essa distinção. Mas nada como uma greve para se vir a perceber que nem o Ministério está tão sozinho como o Um que o mecanismo do bode expiatório tende a criar, nem a classe docente é esse Um homogéneo que alguns dos seus porta-vozes fazem crer. Digo-o com aquela distância e nostalgia de quem já perdeu lutas nas mesmas circunstâncias e pelas mesmas razões.
Os professores a exame # 4
Luís Mourão
20.2.08 |
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