Multiplex 25


- É a paz retrógrada, como muito bem disse o João Paulo Sousa.
- E o essencial fica dito com isso, também acho que sim. E contudo...
- Contudo?..
- Penso naquela sessão do clube de leitura ou lá que é aquilo, em que discutem Madame Bovary. Não será por acaso que o livro é Madame Bovary: a mulher sem saída, que procurou alguma coisa em vez de suportar sem mais uma infelicidade baça.
- Mas achas que para aqueles personagens há qualquer coisa de idêntico ao sem saída da Madame Bovary?
- Acho que para aqueles personagens não há nada que objectivamente seja sem saída, mas cada um deles tem de descobrir e traçar os seus limites. E onde há limites, e há-os sempre, há uma estrada que é sem saída.
- Isso é que é metafísica rodoviária, Luís! Tudo se resumo a escolher o beco sem saída em que queremos envelhecer e morrer, é isso?
- Se não for escolher, pelo menos aceitar o que nos calhou. Porque se pode sempre recusar. Em Madame Bovary há o óbvio empecilho do tédio pequeno-burguês e a dependência económica dela. Aqui não. Mas as coisas não melhoram substancialmente, pelo menos naquela parte em que se deseja uma coisa diferente.
- Estás a falar da outra vida? Do desejo ilusório de uma outra vida?
- Em parte. Lembras-te dele lhe dizer que a beleza é sobrevalorizada?
- E ela pensa que foi uma resposta estúpida, porque só uma pessoa que dá a beleza por adquirida pode dizer uma coisa dessas.
- Pois é o mesmo com a vidinha. E ninguém ali tem imaginação suficientemente realista para querer uma vida que possa ser a mesma vidinha noutro lado e com outras pessoas. A mesma vidinha, nada de diferente, só que noutro lado e com outras pessoas.
- São todos little children.
- O autor é que escusava de moralizar no fim. Mas isso também é próprio de little children. Se não moralizasse, seria, sei lá?..
- Carver?
- Por exemplo! Mas enfim: ele moraliza, a gente lê para cá disso.

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