Baudrillard # 3: segue a existência

Ana Hatherly, Labirinto de letras

Lembro de cor um dos episódios descritos num dos volumes de Cool Memories. Há algures na América um parque de diversões. Um imenso labirinto, que se prolonga por hectares e hectares, e de onde é impossível sair. As pessoas andam por lá o tempo que quiserem. Quando desistem, chamam o helicóptero para as ir buscar e seguem a sua existência.
O episódio ficou-me também como uma excelente imagem do pensamento de Baudrillard. Alguém que nos sabota as evidências mais comezinhas instalando-nos num gigantesco labirinto de onde é impossível sair. Em cada esquina há um dado novo e surpreendente, mas que se recusa a fazer sistema com o que quer que seja. Não há saída. Quando se fica cansado de pensar, para-se de escrever ou fecha-se o livro. Segue a existência. É tudo.
E no entanto, não é tudo. Porque a existência que segue não é já a existência que seguia antes da experiência do labirinto. Uma diferença feita de melancolia seca, alegria implosiva e soberana indiferença a nós próprios.
Na minha biblioteca privada, Baudrillard é Bernardo Soares re-mix. Eu gosto.

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