Cuidados Paliativos e Eutanásia

A emergência dos cuidados paliativos como especialidade médica e como direito básico de saúde fez-se, em grande medida, para travar a emergência desse outro direito humano básico que é o de poder determinar, querendo, a altura e os termos em que se deseja morrer.
Como é óbvio, as coisas não têm que ser colocadas nesses termos. Do lado dos defensores da eutanásia, isso é claro: reivindicam ambas as coisas, cuidados paliativos e possibilidade de eutanásia, e reivindicam sobretudo o direito de decidir quando é que, no seu entendimento, os cuidados paliativos já não lhes são suficientes para uma vida digna.
Do lado dos defensores dos cuidados paliativos, há muitos que não querem separar a introdução dos cuidados paliativos de uma cruzada anti-eutanásia. O perigo desta posição é poder resvalar para um certo fascismo do sentido. Isso ficou bem patente no discurso de Isabel Galriça Neto: depois de sublinhar que a intervenção ao nível dos cuidados paliativos é uma intervenção técnica, que a boa vontade, o amor e o carinho, por si sós, não bastam — o que me parece obviamente acertado —, teve esta formulação assustadora: a intervenção ao nível dos cuidados paliativos é também uma intervenção técnica ao nível do sentido existencial.
Para quem passou o debate todo a dizer que se as pessoas tivessem cuidados paliativos sérios nunca pediriam eutanásia, percebe-se o que significa esta intervenção técnica ao nível do sentido: doutrinação sobre o sentido do sofrimento. Para quem não se deixe convencer, o diagnóstico é rápido: depressão. Pela cabeça de Isabel Neto não passa a ideia de que alguém, no pleno uso das suas faculdades, peça para morrer. Isabel Neto só entende o Outro quando visto ao espelho das suas convicções — é isto o fascismo do sentido. O fascismo político é quando alguém como Isabel Neto pudesse determinar que nem há sequer que discutir a questão, porque o simples facto de colocá-la releva já da depressão social, da cultura de morte e outras coisas que tais.

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