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O que há de pernicioso na notoriedade é que ela cria um ciclo vicioso que tende a iludir e auto-iludir todos os intervenientes. Um escritor considerado notável poderá ter tendência a considerar igualmente notáveis as suas opiniões políticas, as quais tem como cidadão, ainda que pense proferi-las como escritor. Mas a turba gosta de entrar nesse jogo, gosta de ouvir a partir de uma instância intelectual ou moral aparentemente superior, para se desresponsabilizar da sua tarefa crítica e ter logo ali à mão algumas verdades pronto-a-vestir. O que empolga o escritor, que muito humanamente também se empola, e o mesmo com a turba, e assim de vento em popa até um desmentido qualquer. E o sururu consequente. Que por acaso é um holofote imenso sobre a próxima publicação da biografia de Grass. Eu disse por acaso?
PS1: Meu caro Rui Bebiano, gostava de o perceber melhor nisto. Em que é que o seu juízo sobre a conduta do cidadão Grass (juízo que até poderia partilhar, mas não é esse o ponto) o leva a dizer que jamais voltará a ler um livro do escritor Grass anterior a esta confissão tardia? Hipótese: não será esta recusa de ler ou de re-ler a pior forma de leitura? Noutra vertente: não virá esta declaração dar uma espessura maior à dimensão crítica do romancista Grass, por exemplo?
PS2: E meu caro Eduardo, se o romancista Grass sair engrandecido deste episódio, é porque o seu romance terá triunfado de vez sobre os seus ensaios, mais ou menos panfletários. E só esse triunfo revelará verdadeiramente a futilidade das agendas de patrulha, porque é a sua crítica profunda. O resto, parece-me a mim, é futilidade por futilidade: a patrulha, claro, mas também o ar de escândalo que rodeia todo este affaire.
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