Atenção ao degrau. Cuidado... Ui, magoou-se muito? Ah, desculpe, não me fiz entender, referia-me ao degrau do seu argumento, você ia subir sem ponto de apoio lógico.
Epifanias # 63
Nota de honorários: pagarás com a vida.
E não digas que há nisso qualquer mistério, porque não há. Há só que pagar. E tu sabes. A conversa do dom são aquelas palavras de circunstância que trocamos com o senhor da tesouraria na altura da liquidação final: o que faríamos com aquilo se não tivéssemos de lho passar para as mãos.
Epifanias # 62
Seguir a sua vida? Que tolice. Não há nenhuma vida para seguir. A vida é que nos segue a nós. O que já é um eufemismo para dizer que nos empurra amavelmente para fora de palco. Às vezes até nada amavelmente. Mas quanto àquilo que o escritor ou o pintor precisa, que não haja enganos: basta-lhe seguir a sua derrota. Que naturalmente não tem motivos nenhuns, quando muito alguns pretextos.
Epifanias # 61
Os trabalhos e os dias (20)
Todos estes dias. O verso que veio de tão longe. E por vezes, num segundo se evolam tantos anos. Num momento extático a gente compreende. Para logo a seguir saber de ciência certa que por mais longa a vida, sempre o sentido correrá à nossa frente, evolando-se nos anos que não sabemos bem para onde foram, mas que deixamos partir sem mágoa, sem arrependimentos, sem desejos de eternidade.
WC Lectures # 10
Onde é que eu ainda agora ouvi isto? Onde foi, onde foi?.. Exactamente! Ainda bem que não fui o único a ouvir...
automatic sms love message # 16
dp falamos diso. daki a mt tp. daki a mt tp mesmo.
Os trabalhos e os dias (19)
Quanto trabalho para conseguir limpar um pouco a secretária. Mas já vejo com alguma nitidez a fila de coisas que tenho para fazer daqui até Dezembro. Vai engrossar, é incontornável. A gente jura sempre que não, recusa mil e uma coisas, mas acaba comprometendo-se com mil e duas. E nem vale a pena perguntar porquê, que lá no fundo dos fundos a resposta incomoda o seu tanto.
A Leitora, no seu infinito particular (LIV)
- Não sabes isso, pois não?
- Não. Ninguém sabe. E de qualquer maneira, saber não é a melhor palavra para isso.
- E como é que sabes que ninguém sabe?
- Porque ainda se pergunta.
- Mas podia-se ter desistido de perguntar precisamente porque ninguém sabe.
- E perder uma oportunidade de fazer uma pergunta sem resposta? Nunca. É contra-natura. Está nos genes. É mais antigo que...
- (interrompendo) Já percebi.
- Mas eu não.
A Leitora, no seu infinito particular (LIII)
- Na mesma?
- Sim.
- Não é bom.
- Arranja-se uma maneira.
- Alguma ideia?
- Não.
- Continua a não ser bom.
- Mas se houver ideia, já haverá uma maneira. Isso é bom. Sabe-se onde procurar.
- Tu sabes onde procurar?
- Não.
- Continua a não ser bom.
- Mas continua, isso é o importante.
- Continuar?
- Sim.
- Tens a certeza?
- Não.
A Leitora, no seu infinito particular (LI)
- Se tu viesses...
- Estou cá.
- Quero dizer: se tu viesses.
- Dessa maneira não sei.
- Sabes.
- Não sei. Não te ia mentir sobre isso.
- Não me estás a mentir, mas sabes.
A Leitora, no seu infinito particular (L)
- Sabes isso, não sabes?
- Sei. Mas saber é capaz de não ser a melhor palavra para isso.
- Não é, de facto. E não sabes mesmo, pois não?
- Nunca se sabe.
- Hum.
WC Lectures # 9
WC Lectures # 8
Realmente, que [tempo] presente tão inapresentável.
Quino no lugar da Mafalda, eis a fórmula.
Baudrillard # 3: segue a existência
Lembro de cor um dos episódios descritos num dos volumes de Cool Memories. Há algures na América um parque de diversões. Um imenso labirinto, que se prolonga por hectares e hectares, e de onde é impossível sair. As pessoas andam por lá o tempo que quiserem. Quando desistem, chamam o helicóptero para as ir buscar e seguem a sua existência.
O episódio ficou-me também como uma excelente imagem do pensamento de Baudrillard. Alguém que nos sabota as evidências mais comezinhas instalando-nos num gigantesco labirinto de onde é impossível sair. Em cada esquina há um dado novo e surpreendente, mas que se recusa a fazer sistema com o que quer que seja. Não há saída. Quando se fica cansado de pensar, para-se de escrever ou fecha-se o livro. Segue a existência. É tudo.
E no entanto, não é tudo. Porque a existência que segue não é já a existência que seguia antes da experiência do labirinto. Uma diferença feita de melancolia seca, alegria implosiva e soberana indiferença a nós próprios.
Na minha biblioteca privada, Baudrillard é Bernardo Soares re-mix. Eu gosto.
Baudrillard # 2: vendo
É exactamente assim que o lembro: este o rosto, e o preto da indumentária. Terá sido no Instituo Franco-Português ou na Gulbenkian, anos oitenta, pouco importa. Não fui para o ouvir, raramente vou por isso, mas para vê-lo falar.
Ele estava-se absolutamente nas tintas para a pose e para o contentamento de si. E também para o pensamento a pensar-se a si mesmo. Tinha a ironia da fórmula e a secura da futilidade da fórmula. O conforto de não ser bonito nem elegante. E a inteligência de não jogar no charme nem na teatralidade.
Poder-se-ia conversar com aquele homem muito tempo sem trivialidades nem filosofias. E o silêncio depois disso seria natural como fumar um cigarro ao cair da tarde.
Baudrillard # 1: lendo
Cheguei a Baudrillard na altura de Simulacros e simulação. Fez-me bem. Apesar de tudo, havia demasiado realidade, demasiado sistema, demasiado confiança na filosofia que frequentava, mesmo que derridiana ou deleuziana. Ficou-me um tom, com o seu quê de francês, é certo — jogo conceptual, snobismo do diferente —, mas também com uma absoluta e salutar e feroz crítica do que poderíamos chamar de espírito de gravidade — naquele sentido em que Derrida ou Deleuze, sendo obviamente imensos, são também de uma gravidade incontornável.
O Baudrillard dos três volumes de Cool Memories pertence ao meu cânone privado — no duplo sentido do meu gosto pessoal e de que eu deveria ter escrito aquilo (riam lá à vontade a ver se eu me importo...).
O Baudrillard final levou-me a reler Húmus de uma outra maneira — mas como já está publicado, não preciso de explicar... Aliás, isto não é para explicar nada.
Depois não houve mais Baudrillard. Como se tivesse mudado de cidade e lhe tivesse perdido o rasto. Os pensamentos e autores não são diferentes dos amigos que temos: mais chegados uns, um pouco perdidos outros.
Cuidados Paliativos e Eutanásia
A emergência dos cuidados paliativos como especialidade médica e como direito básico de saúde fez-se, em grande medida, para travar a emergência desse outro direito humano básico que é o de poder determinar, querendo, a altura e os termos em que se deseja morrer.
Como é óbvio, as coisas não têm que ser colocadas nesses termos. Do lado dos defensores da eutanásia, isso é claro: reivindicam ambas as coisas, cuidados paliativos e possibilidade de eutanásia, e reivindicam sobretudo o direito de decidir quando é que, no seu entendimento, os cuidados paliativos já não lhes são suficientes para uma vida digna.
Do lado dos defensores dos cuidados paliativos, há muitos que não querem separar a introdução dos cuidados paliativos de uma cruzada anti-eutanásia. O perigo desta posição é poder resvalar para um certo fascismo do sentido. Isso ficou bem patente no discurso de Isabel Galriça Neto: depois de sublinhar que a intervenção ao nível dos cuidados paliativos é uma intervenção técnica, que a boa vontade, o amor e o carinho, por si sós, não bastam — o que me parece obviamente acertado —, teve esta formulação assustadora: a intervenção ao nível dos cuidados paliativos é também uma intervenção técnica ao nível do sentido existencial.
Para quem passou o debate todo a dizer que se as pessoas tivessem cuidados paliativos sérios nunca pediriam eutanásia, percebe-se o que significa esta intervenção técnica ao nível do sentido: doutrinação sobre o sentido do sofrimento. Para quem não se deixe convencer, o diagnóstico é rápido: depressão. Pela cabeça de Isabel Neto não passa a ideia de que alguém, no pleno uso das suas faculdades, peça para morrer. Isabel Neto só entende o Outro quando visto ao espelho das suas convicções — é isto o fascismo do sentido. O fascismo político é quando alguém como Isabel Neto pudesse determinar que nem há sequer que discutir a questão, porque o simples facto de colocá-la releva já da depressão social, da cultura de morte e outras coisas que tais.
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Epifanias # 60
A Leitora, no seu infinito particular (XLIX)
Boa educação # 8
A minha inteligência teria grande prazer em encontrar-se com a sua inteligência. Diga-me onde a deixou que eu irei lá ter com ela, não me custa nada. A sério.
Psicopatologia da vida quotidiana # 24
Avaliação da condição física no ginásio. Depois de me pesarem, medirem e sondarem a uma espécie avançada de raio-X, ele & ela, técnicos, propõem-me: programa de queima de gorduras, por excesso de matéria adiposa; programa de cuidados metrossexuais, por excesso de matéria pilosa.
WC Lectures # 7 [raccord]
Chove e, furtivamente, com o som
de fundo dos concursos e doutras histórias
televisivas, abril volta a ser o
mais cruel dos meses e a alegria
parece reduzir-se a um cigarro que
se partilha em silêncio com os vizinhos.
Carlos Bessa, Dezanove maneiras de fazer a mesma pergunta, Teatro de Vila Real, 2007, p. 21
Lisboa, cidade-estado
Re-aparição de Carlos Leone: Lisboa, cidade-estado. Seria interessante um Partido Socialista com esse pensamento...
Mas temo que Lisboa seja menos a cidade e mais o Estado. Sócrates está bem, logo o Partido está bem. E que não fosse Sócrates nem este o Partido, a coisa seria a mesma — foi a mesma. Ou não foi?
Em todo o caso, sou um feroz adepto das causas perdidas.
WC Lectures # 5
Quino muito preocupado com monstruosidades alimentares. Por causa dos mesmos pobres de sempre: ou morrem à fome, ou morrem envenenados. Mas com esta particularidade irónico-suicida: no envenenamento, morrerão também os que lucram com o veneno. É o Manelinho num dos paradoxos finais do capitalismo... [finais? oh santa ingenuidade, coisa ruim não morre; ou só morre no fim dos tempos, como é sabido da teologia, e o fim dos tempos está muito para lá dos nossos tempos]
A Leitora, no seu infinito particular (XLVIII)
- Vais-lhe dizer da tua perplexidade?
- Claro. Se a coisa fosse só entre blogs e jornais, é como o outro...
- Queres tu dizer, nas tintas.
- Isso. Agora o cunnilingus...
- É demasiado importante para se meter entre aqueles dois.
- Uma desfeita, na verdade. E depois há a questão de princípio.
- De princípio?
- Não invocar o nome do cunnilingus em vão.
Os trabalhos e os dias (18)
“Bem, então já eu escrevia romances, bem longos, assim umas trezentas páginas, coisas realmente impossíveis, não é? Um chamava-se Peter vai à cidade, e já eu estava na página cem e ele ainda continuava na estação de caminho-de-ferro. Pois bem, nessa altura acabei, o plano estava errado. Ele ainda nem sequer tinha entrado no eléctrico e já lá iam cento e cinquenta páginas.” [Kurt Hofman, Em conversa com Thomas Bernhard, Assírio & Alvim, 2006, p. 51].
Recomeçar, a ver se consigo acabar. Esta parte. Eu sei, nunca se acaba. Nós acabamos, mas o que fazemos não. Começamos uma nova coisa, e é sempre a velha coisa em transformação. Mas esta parte. Acabar esta parte. Ao menos esta parte.
Multiplex 28
- Pensei que o filme fosse outra coisa. Esta é a mais lógica abordagem da CIA: uma agência de espionagem criada segundo um plot que alimenta sempre o segredo em todas as suas dimensões.
- Depois de Le Carré, é chover no molhado.
- Também me parece. Salvo aquele diálogo “étnico”. Os negros têm a sua música, os italianos têm a família, os irlandeses têm a sua pátria e os brancos americanos...
- ... têm os Estados Unidos da América. Todo os outros estão lá de passagem.
- Uma verdade inconveniente?
- Mais uma farpa...
- E quando veremos um filme mesmo filme, este ano?
- Isso agora...
Aquele órgão só de professores doutores por extenso # 5
Deixai os mortos enterrar os seus mortos.
Aquele órgão só de professores doutores por extenso # 4
O poder corrompe. E o poder absoluto corrompe absolutamente. Nada de novo nisto. Já todos vimos o suficiente para confirmarmos a regra e admirarmos as excepções.
Num órgão colegial, o poder é da maioria dos votos. Lugar também para a corrupção das alianças de circunstância e as manobras tácticas. Nada de novo nisto.
Mas o mais antigo mesmo, talvez tão antigo quanto a humanidade ela própria e por isso o mais espantoso, é o poder que cada um toma da importância de si mesmo e das suas ideias. O poder de si corrompe moralmente. E o poder absoluto de si é o espectáculo da corrupção moral que envergonha todos os que são obrigados a presenciá-lo.