Há uma vertente do pensamento de Agamben que me deixa com um pé bastante atrás, e que é precisamente uma das ideias desenvolvidas em Serralves: a inoperância ou a inoperatividade. Como António Guerreiro sublinhou na breve apresentação de Agamben, a ideia de inoperância ou de inoperatividade tem uma ligação fundamental com a ideia blanchotiana de désoeuvrement. O problema, quanto a mim, começa exatamente nesta ligação. Porquê?
Nenhum conceito existe fora de um campo de batalha que determina a sua força, a sua localização provisória, o seu traçado possível. Désoeuvrement foi um conceito para responder ao espartilho dialéctico tese-antítese, um terceiro elemento colocado entre o um e o dois, alheio a sínteses, por um lado, e a uma negatividade generalizada e nihilista, por outro. O traçado do conceito era o de um movimento para fora de um campo saturado por afirmações contraditórias e especulares, incapazes de re-colocar questões e problemas. A porta de saída possível parecia ser o neutro, enquanto resistência óbvia e pertinente a um campo conceptual assim constituído.
Que se passa hoje no campo conceptual? De um modo rápido, simplista, a seu modo brutal, leria o campo conceptual de hoje segundo a prevalência esmagadora da indiferenciação, uma indiferenciação movente, num fluxo permanente que simula a novidade contínua quando de facto aniquila todas as particularidades de qualquer pensamento. Este fluxo permanente simula a velocidade, vale-se da velocidade real de alguns aspectos motorizados e cibernéticos da vida contemporânea, mas no essencial é estático: abra-se um jornal ou uma televisão ao acaso e note-se a tremenda dificuldade em fazer corresponder o que se lê ou ouve e vê a uma data concreta e específica: será hoje, terá sido ontem, anteontem, no ano passado?
Simplificando: o campo conceptual de hoje aparece-me como a corrupção, o efeito perverso do neutro. Um neutro que não afecta a estrutura planetária do tardo-capitalismo, antes é o campo sem obstáculos em que ele circula. Neste campo, e ao contrário do que Agamben propõe, a arte não é imediatamente política porque resista e desmonte, i.e., porque torne inoperativo o pensamento feito; a arte é imediatamente política porque não pode deixar de entrar no circuito da mercadoria. Dir-se-á que sempre entrou, o que é verdade. Mas com esta diferença: nunca o circuito da mercadoria foi tão visível no seu mecanismo e no extrair de leis de visibilidade simbólica a partir dele, nunca o circuito da mercadoria conseguiu sobrepor-se tão exactamente e tão vantajosamente ao circuito da interpretação.
Blanchot dizia désoeuvrement e nós éramos atirados para as margens de um campo onde se movimentavam todas as forças que construíam o pensamento do novo. Agamben diz inoperatividade e nós somos atirados para um lugar recôndito, aristocrata, onde ainda parecem funcionar as velhas relações de força que se estilhaçaram com a globalização. O que quer que esteja a acontecer, não está a acontecer nesse lugar recôndito nem me parece que a inoperatividade seja o seu motor.
Voltarei a isto desde um outro ângulo.
Nenhum conceito existe fora de um campo de batalha que determina a sua força, a sua localização provisória, o seu traçado possível. Désoeuvrement foi um conceito para responder ao espartilho dialéctico tese-antítese, um terceiro elemento colocado entre o um e o dois, alheio a sínteses, por um lado, e a uma negatividade generalizada e nihilista, por outro. O traçado do conceito era o de um movimento para fora de um campo saturado por afirmações contraditórias e especulares, incapazes de re-colocar questões e problemas. A porta de saída possível parecia ser o neutro, enquanto resistência óbvia e pertinente a um campo conceptual assim constituído.
Que se passa hoje no campo conceptual? De um modo rápido, simplista, a seu modo brutal, leria o campo conceptual de hoje segundo a prevalência esmagadora da indiferenciação, uma indiferenciação movente, num fluxo permanente que simula a novidade contínua quando de facto aniquila todas as particularidades de qualquer pensamento. Este fluxo permanente simula a velocidade, vale-se da velocidade real de alguns aspectos motorizados e cibernéticos da vida contemporânea, mas no essencial é estático: abra-se um jornal ou uma televisão ao acaso e note-se a tremenda dificuldade em fazer corresponder o que se lê ou ouve e vê a uma data concreta e específica: será hoje, terá sido ontem, anteontem, no ano passado?
Simplificando: o campo conceptual de hoje aparece-me como a corrupção, o efeito perverso do neutro. Um neutro que não afecta a estrutura planetária do tardo-capitalismo, antes é o campo sem obstáculos em que ele circula. Neste campo, e ao contrário do que Agamben propõe, a arte não é imediatamente política porque resista e desmonte, i.e., porque torne inoperativo o pensamento feito; a arte é imediatamente política porque não pode deixar de entrar no circuito da mercadoria. Dir-se-á que sempre entrou, o que é verdade. Mas com esta diferença: nunca o circuito da mercadoria foi tão visível no seu mecanismo e no extrair de leis de visibilidade simbólica a partir dele, nunca o circuito da mercadoria conseguiu sobrepor-se tão exactamente e tão vantajosamente ao circuito da interpretação.
Blanchot dizia désoeuvrement e nós éramos atirados para as margens de um campo onde se movimentavam todas as forças que construíam o pensamento do novo. Agamben diz inoperatividade e nós somos atirados para um lugar recôndito, aristocrata, onde ainda parecem funcionar as velhas relações de força que se estilhaçaram com a globalização. O que quer que esteja a acontecer, não está a acontecer nesse lugar recôndito nem me parece que a inoperatividade seja o seu motor.
Voltarei a isto desde um outro ângulo.
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