Auto-entrevista-fágica

Manchas entrevistou Luís Mourão a propósito da sua última instalação mm#1-16 impermanence.

Manchas [M]: Considera-se um impermanente?
Luís Mourão [LM]: Sim, sou um impermanente sedentário.
M: Quer explicar essa designação?
LM: Nem por isso.
M: Há impermanentes nómadas?
LM: Os que trabalham voluntariamente nas situações de calamidade, por exemplo.
M: É por isso, então?
LM: O quê?
M: Essa espécie de raiva, dor, resistência, forçar passagem que se sente na sua instalação?
LM: Sente isso?
M: Sim. Como se o seu gesto fosse análogo do gesto político do que vai para uma situação de calamidade.
LM: Gostaria que fosse assim, de facto. Todos os dias vemos o mundo a desmoronar-se. E todos os dias temos de recomeçá-lo. Às vezes não se sabe bem como nem por onde.
M: Nunca sentiu vontade de desistir?
LM: Sempre. Tenho um combate permanente contra o pessimismo. Mas é um combate em que também se aprende. Porque o pessimismo, como o medo, ensina. Ensina a distinguir, a escolher os combates. Ensina a não esperar tudo, a aceitar a parcialidade do que vem. E torna-nos radicais numa coisa. O pessimismo e o medo ensina-nos que a dor existe, realmente existe. E torna-nos radicais na recusa da dor desnecessária ou movida apenas por crueldade.
M: É esse o seu limiar do imperdoável?
LM: Politicamente, sim, é esse um dos meus limiares do imperdoável.
M: Impermanente diz respeito também à sua situação de finitude?
LM: Diga mortal. Não há que contornar as palavras. Mortal. E pode dizer também, aliás já foi dito de muitas outras maneiras, que impermanente é aquele que se move em direcção à morte, que se move apesar da morte, que se move adiando a morte, não tanto a sua, mas a do mundo.
M: Impermanente é o nome de uma teologia sem deus, é isso?
LM: Não era suposto ser isso, mas estamos sempre a lidar com esse espectro. Já não consigo olhar para as coisas de outro modo. Sou impermanente por mim e pelo mundo. Mas do mundo decidirão os que cá estiverem, cada um a seu modo. É a sua responsabilidade, quer queiram ou não.
M: Próximos trabalhos?
LM: Não há próximos trabalhos, há só trabalhar. Depois, num momento qualquer, duas ou três coisas ligam-se, e momentaneamente temos um “próximo trabalho”.



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