Nenhum regresso # 2

não é bem ler poesia; não é ler o poema por ele próprio; é prolongá-lo pelas conexões aleatórias, necessariamente aleatórias, que os versos estabelecem com coisas da nossa vida; os particularismos em que vão embater; como se tudo tivesse de significar, possuir um sentido apenas para nós.

onde estiveram eles, os que me faltam e sempre me faltaram, os que desconheço, os que chegarão demasiado tarde, os que nunca precisaram de mim;
por que caminham como se de tão longe, quando todas as ruas dão a volta à mesma praça e estreitecem para nascente;
que nenhum passo pesado que baste, que aprisione até à morte ou liberte pela manhã;
como se um em frente para outro inverso, são assim todas as certezas quando sabemos da sua matéria volátil;
como se andar sequer fosse indiferente, disse ele deixando-os passar e estacionando frente ao mar;
que nenhuma palavra suficientemente dorida, mesmo as náufragas, as soterradas, as executadas;
que só o silêncio e que nem ele, coisa que a gente vai aprendendo à sua própria custa sem sequer se queixar;
que nada porventura ou só a vida, sim, que nada porventura ou só a vida, quer dizer, só a vida acabando-se segundo a sua lei.

a partir de Bénédicte Houart, Vida: variações, Cotovia, 2008, p. 50

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