As indagações genealógicas de Agamben são, como diria Agustina, “a inteligência enquanto festa do espírito”. Não conheço outro caso em que a enciclopédia seja, ao mesmo tempo, tão ostensiva e tão leve. O que Agamben sabe como scholar é esmagador, mas o estilo com que opera as sínteses e os movimentos de passagem deve tudo a uma economia narrativa (sim, narrativa mais do que argumentativa) de short story filosófica.
Qu’est-ce qu’un dispositif? começa por contar uma história terminológica. O termo é nuclear em Foucault, onde tem um antecedente: o termo “positividade”. A pré-história do dispositivo é pois o movimento do termo positividade, tal como aparece na leitura hegeliana de Jean Hyppolite (Foucault chamava a Hyppolite o seu «mestre»), até à sua transformação em dispositivo. Mas o fundamental nesta história, como aliás em qualquer história genealógica, é o momento em que se abandona a interpretação para se assumir um discurso próprio que, mesmo propondo-se em continuidade da genealogia, opera já sem rede. Evidentemente, não é fácil delimitar essa cesura, e muitas vezes a estratégia passa até por fazer de conta que não há tal cesura: o medo de um pensamento próprio, com o desamparo inerente ao ser próprio, é mais comum do que se poderia pensar (mesmo em filosofia). Mas não com Agamben. Verdadeiramente in media res, quer dizer, a meio da história que conta, Agamben faz notar que chegou aquele momento em que o movimento interpretativo atingiu “um ponto de indecidibilidade em que se torna impossível distinguir o autor do intérprete. Mesmo se se trata de um momento particularmente feliz para o intérprete, ele deve compreender que é tempo de abandonar o texto que submete a análise e prosseguir a reflexão por sua conta.” (p. 29-30). O pensamento (em filosofia, mas não só) vale verdadeiramente a pena a partir deste caminho de solidão. Porque mais do que concordância ou discordância, o que o pensamento nos pede é esta solidão do próprio, o que cada um tem condições de dizer por si próprio.
Dispositivo Agamben # 1. Cesura, solidão, próprio
Luís Mourão
4.5.08 |
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