Agamben alarga a noção de dispositivo de Foucault. Alarga imensamente. Mantém a ideia geral: dispositivo é tudo o que, de alguma forma, tem a capacidade de “capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres vivos” (p. 31). Mas alarga o âmbito do que pode ser considerado dispositivo: não apenas as prisões, as escolas, os asilos, o panoptikon, o sistema jurídico, tudo isso cujas relações com o poder são óbvias, mas também “a caneta, a escrita, a literatura, a filosofia, a agricultura, o cigarro, a navegação, os computadores, os telemóveis e, porque não, a própria linguagem”. (p. 31). O que perde nesta generalização que a dado momento ameaça submeter tudo o que existe à condição de dispositivo é para ganhar mais à frente, quando colocar a pergunta decisiva das relações do humano com os dispositivos. Porque a questão está longe de ser simples. Primordialmente, o dispositivo é um operador que nos permite um afastamento radical das limitações dos animais enquanto animais, portanto um engendrador de subjectivização. Mas a condição pós-industrial do dispositivo, a sua tecnologização incontornável e sem a qual é impossível o mundo em que ocidentalmente vivemos, faz com que essa subjectivização rode no vazio: no exemplo que é o de Agamben, a possibilidade do zapping, dispositivo central das formas de atenção contemporâneas, é afinal a experiência frustrante da des-subjectivização.
A força deste modo tecnológico que permeabiliza a vida de hoje é tal que Agamben acha que o preceito vagamente humanista acerca dos “bons usos da tecnologia” é pouco mais que inútil. Percebo o ponto. Não obstante, não há outra questão senão a do uso dos dispositivos, já que não os podemos erradicar. A questão torna-se, pois, política. O que Agamben concede, mas ao preço de algo parecido como uma evasão no indeterminável. Já lá iremos.
Dispositivo Agamben # 2. Dispositivo, subjectivização, tecnologia
Luís Mourão
14.5.08 |
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