Companhia nocturna # 33

Ao procurar a imagem do disco, dei com o site de Rui Eduardo Paes (urra!!) e esta review luminosa a que eu só tiraria os dois pontos de exclamação em Satie, porque é justamente o tipo de autor incontornável num processo destes, quando se escavam os subterrâneos que vão de Tatum a Evans (já os meus dois pontos de exclamação se justificam plenamente, porque não é REP quem quer, apenas quem sabe…).

Uri Caine: “Moloch” (Tzadik)
. A composição é de John Zorn e integra-se na série “Book of Angels”, de que “Moloch”, aliás, é o sexto volume, mas os arranjos e a interpretação são de Uri Caine e, de facto, ninguém melhor do que este pianista-camaleão para dar vida a partituras que reflectem a história do piano jazz (Art Tatum e Bill Evans pressentem-se muito claramente), acrescentando-lhe elementos clássicos (Satie!!) e do riquíssimo universo musical judaico, que de resto parece marcar cada vez mais o Zorn autor. E se este vem manifestando um crescente fascínio pelo lado obscuro do Velho Testamento (Moloch é um dos demónios dos idólatras israelistas, mas também de fenícios e cartagineses), o certo é que as leituras de Caine são luminosas e inspiradas, comunicando-nos “sentires” que não são propriamente os inspirados pelos sacrifícios de crianças que no passado remoto do Médio Oriente eram realizados em louvor do deus que dá nome a este disco. É um outro Uri Caine que se revela aqui, já não o que adaptou Mahler, Bach, Beethoven, Mozart, Wagner e Schumann com a inclusão de um DJ, não o que toca um Fender Rhodes com Dave Douglas e não aquele que se fez acompanhar por músicos brasileiros em “Rio”. Nem sequer já o do seu primeiro disco a sós com um piano, “Solitaire”, mas um grande executante que maturou mais uma forma de estar na música, segundo muitos até a mais difícil de todas: o solo. Depois do compositor, do arranjador, do líder, do “sideman” ilustre, finalmente o “performer” de corpo inteiro.

0 comentários: