Fora de tempo # 52

“Este pequeno espelho rectangular dentro do carro, Sr. Jiabao... Será que nunca ninguém reparou até que ponto pode ser embaraçoso? Como é que, de quando em vez, quando os olhares do patrão e do motorista se encontram neste espelho, ele se abre como uma porta para um quarto de vestir e, de repente, ele se apanham um ao outro nus?” (O tigre branco, p. 149).
Embaraçoso é aqui uma palavra... embaraçada. O termo correcto seria violento, de uma violência facilmente assassina. A possibilidade do reconhecimento em nua humanidade é um mito. A nudez imprevista de dois seres atirados para a presença um do outro só tem dois resultados possíveis: sexo (uma forma de violência accionada pelos mecanismos da reprodução) ou luta ( a violência gerada pela defesa do espaço vital). Todo o reconhecimento é social e laboriosamente construído como um patamar de civilização. O erotismo também. São artefactos, e assim os sentimos. Daí o misto de desencanto e segurança com que os vivemos: não são a coisa natural (que está para sempre perdida), mas precisamente por não serem a coisa natural podemos experimentá-los e sobreviver-lhes.

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