Percebe-se que a impessoalidade de um hotel de luxo possa ser atractiva para o desapego doméstico que historicamente parece caracterizar a mentalidade masculina. E se sobre isso se diz “fuzilar o doméstico”, o sintoma soa tão notório que todas as dúvidas se tendem a dissipar.
Ora, o que há de desconcertante em Agustina é a atenção ao pormenor — essa atenção capaz de fazer de um qualquer pormenor uma epifania — nunca ser uma atenção sentimental, típica e historicamente feminina, e poder conviver com a impessoalidade dos grandes juízos sobre a civilização, a alma, o desejo, e demais vícios de que se ocupa.
É bem provável que, nos seus romances, Agustina nunca tenha descrito um quarto de hotel de luxo, embora quartos com algum luxo não faltem nas mansões burguesas que traça em meia dúzia de frases vigorosas. Mas na medida em que Agustina é a nossa romancista que mais simples, despudorada e inocentemente se senta no lugar de Deus, o lugar donde assiste é invisível em si mesmo, porque é apenas o lugar donde tudo se vê.
Um quarto dum hotel de luxo devia ser igual e igualmente anódino em qualquer parte do mundo. Quando se escolhe um quarto de um hotel de luxo em detrimento de outro, já estamos a comportar-nos segundo a perspectiva da casa e do doméstico. Agustina nunca escreve a partir de uma casa. Pode dizer-nos que tem as panelas ao lume, mas isso não diz do lugar onde está, diz do lugar para onde nos levou.
Pequena teoria da literatura para uso doméstico # 11
Luís Mourão
21.10.08 |
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