Em Pedro Mexia há sempre um programa poético, é a sua condição de poeta inteligente. Não é um manifesto, coisa que em toda o caso já não é de uso; nem propriamente uma poética, naquele sentido de apresentar os andaimes de um estilo ou uma teoria sobre o alcance eficaz da palavra. Um programa poético é como um projecto de investigação sem a parte das conclusões, por provisórias que sejam: define um “problema”, vias de acesso ao “problema”, e entrega necessariamente as conclusões que não há à conjectura dos leitores.
O programa poético, aqui, será este: “O «sofrimento» é uma emoção / poética, estamos / Sempre sozinhos com o nosso fantasma / e os versos o papel químico do mundo.” (p. 19). É um programa, digamos assim, do domínio da tradução. Mas há que ter algum cuidado com estas fórmulas. Porque se quiséssemos desenvolver a analogia, teríamos de dizer que aqui não há texto origem. O texto de chegada é suficientemente distorcido para se considerar como tal, isto é, como um traduzido: o sofrimento não só carrega as aspas como pertence a uma ordem que não é do estritamente empírico (é uma emoção poética, claro...). Mas que dizer de um texto origem que é um fantasma? E, já agora, de um tradutor que é papel químico que afinal transforma mundo em versos?
É por isso que “Caixa negra”, título da segunda secção do livro, adquire uma ressonância muito particular. O que está na origem será tão indiciador e tão eventualmente inconclusivo como o que fica depois do desastre. Ambas as situações são da ordem do fantasma. Mas esta poesia só é possível enquanto “caixa negra”, isto é, depois do desastre. Aliás, é bem possível que “depois do desastre” seja sinónimo de vida no mundo poético de Pedro Mexia. Que não sendo um poeta de queixume fácil nem de melancolia desabusada, toma o desastre como segunda natureza e aos costumes responde com sensatez o seu tanto sardónica: “Vamos morrer, mas somos sensatos, / e à noite, debaixo da cama / deixamos, simétricos e exactos, o medo e os sapatos.” (p. 61)
Senhor Fantasma # 1. Caixa negra, sapatos
Luís Mourão
23.9.07 |
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