Sim, claro, é sabido: nisto da literatura, o texto origem é todo e qualquer texto anterior integrante da literatura ou susceptível de a vir a integrar. Haveria aqui boas lições existenciais, se as quiséssemos extrair. A de que a origem não nos pertence a nós nem a ninguém, está disseminada, disponível, é afinal o presente fazendo-se connosco, sempre maior do que nós (e maior para todos os lados). Mas o campo literário tem também as suas regras guerreiras, ou o seu modo ancestral de ocupar os grandes espíritos com as distracções dos comuns mortais: rivalidade, inveja, ódios de estimação. Ora, a vantagem de enfrentar e aceitar o fantasma é que toda essa quinquilharia de salão mundano, com maior ou menor verniz metafísico, se dissolve. E começa a funcionar esse transporte de palavras que não quer mais do que procurar no que há os modos de chegar a fazer existir o que vai haver.
De um modo assumido e completamente pacífico, há neste livro três formas de indicar a presença de outros poetas e outras poéticas. Há os poemas que são “decalque” de, os poemas “baseados” em, e os mais numerosos de entre este conjunto, os poemas que simplesmente indicam por debaixo do título, entre parêntesis recto, um nome de autor. Não se trata de exibição enciclopédica ou culturalista, construção de linhagem ou mero exercício de estilo, ainda que seja certo que a enciclopédia é incontornável, haja um certo ar de família nas escolhas, e o exercício de estilo revele capacidades rítmicas e prosódicas de virtuoso. Também se pode dizer isto de outro modo, não com mais exactidão mas com maior propriedade literal: são poemas traduzidos.
Que nos trazem eles, esses poemas traduzidos? Por um lado, certos motivos “retro” do amor e da amizade, que são inversamente simétricos da devastação do amor e da amizade que aqui existe. Por outro, certas construções prosódicas mais musicais, mais da índole da litania, também elas inversamente simétricas do carácter aforístico ou epigramático de muitos dos restantes poemas. Tudo isto sem trauma, sem angústia de influência, simples viagem do Senhor Fantasma entre o que histórica e canonicamente lhe pertence por direito, e o que no presente deixa já entender a sua sombra sem drama: “Uma vita nuova exige novíssimos tormentos. / E esta é apenas vida velha em divisões mais amplas. / Quis que não viesse alguma carga desnecessária, memória e bibelôs. / Veio tudo, espectral e sem fadiga.” (p. 66).
Senhor Fantasma #3. Baseado, decalque, [sem angústia de influência]
Luís Mourão
25.9.07 |
0 Comments
|
This entry was posted on 25.9.07
You can follow any responses to this entry through
the RSS 2.0 feed.
You can leave a response,
or trackback from your own site.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
0 comentários:
Enviar um comentário