Multiplex 30, take one

- Vi-te muito como aquela jovem que tem a enorme urgência de fazer o filme sobre Berlusconi, Leitora.
- Sim?..
- A urgência de quem tem algo ainda para dizer, de quem não aceita desistir.
- Mas o problema até pode não ser bem desistir, mas conseguir dizer alguma coisa pertinente sobre alguém que apostou a sua carreira política precisamente na construção de uma personagem cujos principais atributos são a transparência mediática, uma suposta transparência mediática.
-Dizes bem, Leitora. A partir de um certo momento, a sobre-exposição mediática simula a transparência. Na verdade, esvazia o sujeito da sua história pessoal, e torna-o disponível para os vários e diferentes investimentos das massas. Berlusconi representado por quatro actores diferentes é a metáfora dessa disponibilidade e o que existe de arrepiante na recepção dessa disponibilidade: ninguém é publicamente, politicamente, o que Berlusconi foi sem encarnar alguns aspectos fundamentais das massas. Quer dizer, de nós.
- A velha questão de que cada país tem o governo que merece?
- Eu diria mais que tem o governo em que se reconhece. Parece o mesmo, mas é um bocadinho diferente.
- Menos moralista...
- E mais realista e possivelmente trágico.
- Mas do filme, Luís, não gostei assim muito. Quer dizer, dispara bem, mas em muitas direcções. À força de evitar as várias tentações, do documentário empenhado à metáfora burlesca, acaba por não conseguir acertar no alvo.
- Também achei. Mas o drama mesmo é que nestas coisas não há um alvo. Berlusconi, claro, era o alvo político do momento. Mas perde-se o essencial se se eleger Berlusconi como O Alvo. Tudo é mais eficaz em arte quando é indirecto. A carapuça fica lá para quem a quiser enfiar.
- E vê-se cada um a deitar-lhe a mão...

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