Aula teórica



Considere-se ainda o primeiro micro-conto de Rui Manuel Amaral in Caravana:

LITERATURA
Uma macieira que dá laranjas

O acerto da definição provém do grau de desvio: é suficiente, na medida em que se passa de um género a outro, mas mínimo, porque se mantém dentro da mesma família. Isto prova-se no supermercado, para não irmos mais longe: maçãs e laranjas estão no mesmo apartado, às vezes lado a lado.
A partir deste grau mínimo de desvio é possível gerar desvios cada vez maiores, dando conta da pluralidade das literaturas. Se considerarmos uma concepção do tipo “Literatura. Uma pereira que dá nozes.”, sendo evidente que estamos ainda em presença da literatura [o título não engana quanto a isso], o grau de desvio consideravelmente maior [basta atentar em que alguns supermercados têm frutas frescas mas simplesmente não têm frutos secos] indiciará, talvez, que entramos já em terrenos da para-literatura.
Por esta lógica, será possível também alcançar uma concepção razoável de não-literatura. Por exemplo: “Não-Literatura. Uma árvore qualquer que secou.” Ou ainda: “Não-Literatura. Uma árvore tão carcomida por dentro que nem se aproveita para lenha, mas que deu paulo coelho.” Esta última concepção, porém, tem a característica muito particular, deveras idiossincrática, de ser demasiado verdadeira, por isso singular, o que não será muito aproveitável quando se quer fazer sistema. São os limites da teoria, já se vê.

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