Uma galeria em Cardiff, no País de Gales (Grã-Bretanha) propõe, desde segunda-feira, uma exposição sobre... nada. O autor da ideia, Simon Pope, é professor de arte, tem 40 anos e teve honras de artigo em vários jornais, entre os quais o conceituado The Independent. A polémica ideia consiste em propiciar ao visitante a possibilidade de existir em dois espaços ao mesmo tempo: “o espaço vazio da galeria e o espaço da memória, onde cada um pode recordar as suas experiências noutras galerias”.
Expresso, "Actual", nº 1774, 28 de Outubro 2006, p. 41
E andava eu a dizer nas aulas que a pintura, ao contrário da literatura, já tinha dado a volta a tudo, desde a tela em branco só com a assinatura do autor até à exposição em que os quadros eram o seu lugar vazio na parede. Tss, tss, as coisas que eu invento por virtude de sobreinterpretação... Devo ter confundido a realidade com as ficções vergilianas sobre o destino da arte, sobretudo no Até ao fim e no Rápida, a sombra. Mas não importa. O fundamental é mesmo a notícia, quer dizer, o modo como a simples redacção jornalística incorpora sem sobressaltos a condição da arte no seu tempo pós-hegeliano: o autor de quem se fala é o autor da ideia, não da obra, porque precisamente já não é necessária obra para haver autor. E toda a epifania que a ideia abre pode processar-se a partir da simples notícia de um jornal, não há qualquer necessidade de ir à galeria em Cardiff. A ideia prescinde da materialidade da obra, tanto mais se for uma ideia contra a materialidade da obra. Só é pena que Simon Pope não tenha ousado mais um passo, que seria o de tentar evacuar o próprio espaço da memória. Mas essa é uma ideia que é capaz de não estar ao alcance de todos.
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